quarta-feira, 14 de abril de 2010

death and all his friends

num súbito baque acordei. pelo susto de simplesmente ter acordado depois de tanto tempo inconsciente comecei a tentar olhar em todas as direções ao mesmo tempo, o que, obviamente, não deu certo. e um dos principais motivos por não ter dado certo foi porque a luminosidade era tão absurda que eu senti minha retina pedindo desculpa por qualquer coisa que ela pudesse ter feito. gentilmente acalmei-a, falando que ela era uma boa retina e dando-a um biscoito imaginário. minha íris, querendo também um agrado, fez a gentileza de, talvez devagar demais, se contrair. lentamente eu consegui ver tudo certo. o lugar em que eu estava era relativamente chato. imagine uma grande sala de espera de aeroporto, onde não há absolutamente nada para se fazer, mas o barulho é tão grande que você não consegue ouvir sua musica. (para minha surpresa fui perceber que meu iPod que estava comigo agora a pouco havia sumido). pela janela não havia nada para se ver, só o forte clarão.

o lugar em si era absurdamente gigantesco, era tão grande mais tão grande, que... na falta de uma metáfora melhor... parecia um... que dava pra... esquece, era grande. era basicamente composto por cadeiras e mais cadeiras onde pessoas e mais pessoas estavam sentadas. algumas conversando, algumas tentando dormir, e outras simplesmente assustadas por algum motivo. não havia nenhum lugar disponível então resolvi dar uma volta. por toda volta haviam lojas de duty free fechadas com uma placa na frente dizendo 'volto em 5 minutos', mas pela quantidade de poeira nas portas, suponho que o vendedor tenha se perdido entre as fileiras 23² e 24².

por todo lado haviam vários daqueles telões que mostram os vôos chegando. interessantemente, haviam uns azuis e uns vermelhos. sem aparecer nada. fiquei encarando os telões esperando algo acontecer, mas em como toda boa situações cômica, nada aconteceu. simplesmente me virei, apenas para perceber que varias outras pessoas estavam fazendo o mesmo. simplesmente paradas, encarando a tela. em algumas dava para perceber que lagrimas escorrendo dos olhos de tanto tempo que eles estavam abertos. resolvi perguntar para uma simpática senhora o que diabos era aquele lugar. com toda a educação que minha mãe muito bem me ensinou, dei um leve toque no ombro da senhora. na ausência de uma reação, fiz o mesmo novamente. nada. resolvi chamá-la 'com licença senhora.'. nada. 'oi?' falei enquanto novamente dava um toque no ombro dela. nada. ‘huh...’ pensei. tentei mas uma vez, com um toque levemente mais forte 'comlicençasenhoraporacasoasenhorasaberiaoqueéesselugar?'. para minha surpresa, a senhora se virou à uma velocidade impressionante para alguém que, na minha noção, deveria ter algo perto de 160 anos de idade (mas eu posso estar errado.). 'o senhor não esta vendo que eu estou vendo o telão?!'. eu percebi de leve ela falando com a boca 'porra', mas eu nunca fui bom em leitura labial, então relevei.

assustado com a súbita reação da companheira, desisti e fui dar mais uma volta. encontrei outro grupo de pessoas reunidas em volta de um telão, curiosamente elas haviam arranjado cadeiras em algum canto e estavam todas quase que roendo as unhas de expectativas. me reuni perto delas e, não sei porque, resolvi ficar vendo o telão. para futuras referencias direi que fui ver o telão por peer pressure.

aparentemente me absorvi na observação do aparentemente inútil telão, porque senti que as coisas haviam mudado um pouco. a velha tinha sumido por sinal. de qualquer forma, o meu grupo de pessoas as coisas não havia mudado. nesse meu breve momento de consciência resolvi dar mas uma volta, quando derrepente o telão azul começou a apitar. todos a minha volta começaram a tremer de expectativa. por alguma razão me senti empolgado também e resolvi gritar com empolgação. por mais que meu grito tenha saído surpreendentemente desafinado, ninguém pareceu notar. o foco das atenções no momento era o telão. depois de uma serie de apitos irritantes, o telão mostrou um nome em azul. no meio do conglomerado de pessoas um homem começou a comemorar e a pular. era um ser meio estranho, provavelmente em seus 60 anos, praticamente careca mas com pequenos fios desconexos na cabeça. pele enrugada e todas as características básicas de uma pessoa velha. por sinal, a maioria das pessoas lá eram velhos, poucos tinha menos de 50 anos. mas aquele velhinho tinha uma disposição impressionante, pulava, comemorava, dançava, beijou uma outra velha que rapidamente o deu um tapa na cara, mas em meio a seu surto de felicidade ele nem reparou.

ele então começou a andar em direção a uma porta azul que por algum motivo não havia reparado antes. na porta havia um homem vestido com um elegante terno branco, óculos escuros, e com um cabelo curto arrepiado. o velho chegou para o homem e disse algo. o homem apenas confirmou com a cabeça e a porta se abriu. uma luz absurdamente forte saiu da porta. quando eu consegui finalmente acalmar minha retina, a porta já havia fechado e todas as pessoas à minha volta haviam voltado ao estado de concentração. na falta do que fazer comecei a encara o telão novamente. e mais uma vez o tempo resolveu dar um pulo, e quando percebi já se haviam passado varias horas quando voltei à realidade com um barulho de órgão que parecia vir de lugar nenhum. todos começaram a quase que tremer de medo, perto dali uma velhinha desmaiou, mas todos estavam tão ocupados e preocupados com a musica que ninguém se deu ao trabalho, ou ao menos pensou, em segurar a velhinha.

na minha frente, o telão vermelho começou a piscar, e à cada flash a tensão aumentava e a musica aumentava, quando derrepende um nome surgiu na tela. no fundo da multidão escutei um grito de um homem.

quase como em uma cena de filme, a multidão foi se separando para dar visão a um homem interessante. devia ter algo em torno de 30 anos, completamente careca, e com um olhar relativamente inocente. começou a olhar em volta em desespero. do meu ponto de vista, pude ver de cada lado da multidão, dois homens vestidos de preto começavam a abrir caminho pelo povo em direção ao homem careca. antes que o careca pudesse ter qualquer reação os homens de preto saltaram da multidão e o agarraram, um em cada braço. o homem careca começou a se debater com toda força que tinha, e aparentemente era muita, era um dos caras com a aparência mais forte que eu já havia visto, mas os homens de preto nem pareciam sentir. foram em direção à uma porta vermelha e pararam na frente dela. falaram algo com o homem de terno preto na porta, que concordou e abriu a porta. não era possível ver nada por trás da porta, era um negro tão negro, que por um momento achei que minha retina tivesse resolvido dar umas ferias. tão rápido quando com o velho a porta se fechou, e assim como com o velho, quando me virei, todos haviam voltado ao estado de concentração.

assim também como depois do velho voltei minha atenção ao telão. da mesma forma que depois do velho, o tempo passou incrivelmente rápido. não como depois do velho, um apito começou a vir do telão azul. assim como antes do velho, as pessoas começaram um frenesi de expectativa. fiquei esperando o desfecho do apito, para o processo começar todo de novo quando, para minha surpresa, meu nome apareceu.

as pessoas à minha volta começaram a olhar em volta procurando o dono do nome e aparentemente estranhando a falta de uma reação. quando percebi que buscavam o dono do nome, timidamente levantei a mão. todos começaram então a me aplaudir. estranhei imediatamente, mas, para manter as aparências, comemorei também, imitando o velho (sem a parte do beijar a velha) e fui em direção à porta azul.

lá, o homem de terno branco me cumprimentou com um sorriso e me parabenizou. agradeci, assim como minha mãe me ensinou, e, delicadamente, perguntei o porque dele estar me congratulando. me dando um susto, o homem do terno branco começou a rir, muito alto por sinal. depois de um incomodante tempo de risadas, ele se recompôs e me perguntou se estava brincando, disse que não, ele me perguntou se eu estava falando serio, eu disse que sim. ele começou a rir de novo. esperei pacientemente o fim das risadas. ele então se virou para mim e perguntou se eu sabia aonde estava. eu disse que não. ele me perguntou se eu sabia como havia parado ali. eu disse que não. ele me perguntou se eu me lembro de algo antes de ter ido parar ali. contei que estava atrasado para uma prova, e estava atravessando a rua quando do nada apareci aqui. ele me perguntou se eu sabia o que havia acontecido na rua. eu disse que não. ele me pediu para olhar minhas roupas. só então fui perceber meu estado. minhas roupas estava completamente rasgadas, sujas, e não só meu iPod havia sumido, como minha mochila também. e meu casaco. perguntei para o gentil moço onde estava minha mochila e contei que se chegasse em casa sem a minha mochila minha mãe me matava. o homem falou que isso não importava. eu expliquei gentilmente ao companheiro que importava sim e que a minha mãe quando brava era perigosa. o homem começou a me explicar o porque que não importava, mas o interrompi para contar de uma vez que eu perdi meu celular e ela me privou de saídas por uma semana, e também expliquei como isso foi um absurdo e como interferiu em minha vida social. o cara começou a tentar explicar de novo qua... e sem contar que eu tava quase para conseguir conquistar uma menina que a meses eu estava afim, e isso ferrou tudo. o moço gentilmente me mandou calar a boca e calmamente me explicou, com perturbadores detalhes, a maneira com a qual ele me chutaria até a porta vermelha. lembrando da reação do homem careca, parei de falar e fui ouvir o cara de terno branco. ele começou me perguntando se a grande alternância presente naquele lugar entre azul e vermelho significava alguma coisa para mim. eu disse que não. ele me perguntou se a reação oposta entre as pessoas que iam para cada porta significava alguma coisa para mim. eu disse que não. ele me perguntou se eu tinha idéia de algo. neguei com a cabeça. ele respirou fundo, por um tempo mais longo do que eu julgaria normal para um ser humano e me olhou nos olhos. bem, na verdade eu não sei se ele me olhava nos olhos, visto que ele estava de óculos escuros, mas eu imagino que ele estivesse. ele me contou então que quando eu estava atravessando a rua, um ônibus me atingiu. não falei nada, ele continuou a me explicar que a batida foi bem forte. continuei não falando nada. ele me perguntou se, então, eu sabia que lugar era aquele e o que havia acontecido. silencio. ele então me explicou que eu havia morrido. 'sério?' perguntei. ele concordou. 'mesmo?'. idem. 'uau'. idem com a cabeça. perguntei para ele o que vinha agora. ele me explicou que, somando o que eu havia feito de bem na minha vida, dava maior que a soma de coisas ruins. agi como se houvesse entendido. ele fez um movimento como que me perguntando 'logo...?'. esperei que ele me explicasse o que vinha logo. 'logo, você vai pro céu' ele me disse. 'é mesmo?' perguntei. 'é' ele disse. 'massa...' eu falei. ele ia começar a mexer na tela de computador quando, apenas a mérito de curiosidade perguntei o que o céu tinha para me oferecer. ele, com uma lentidão na medida certa, levantou a cabeça da direção no monitor e novamente (acredito eu) me olhou nos olhos. 'o que?' ele me perguntou. 'não' eu disse 'é porque sempre falaram que esse céu era demais, que deixava o tal do inferno no chinelo, mais eu nunca soube o porque, então eu resolvi perguntar o que tem de tão bom nesse tal de céu afinal de contas'. consegui perceber a cara de supresa-raiva-decepção-confusão na cara dele, e devo citar que essa combinação ao mesmo tempo provoca um fenômeno interessante. ele começou a me explicar então o que era o céu: 'imagine tudo que tem de bom no mundo' ele disse 'tudo junto em um só lugar. isso é o céu'. 'mas,' eu perguntei 'o que é tudo de bom?'. 'como assim?'. 'ah, é porque isso é uma expressão tão vaga, meninas acham pôneis algo bom, eu não, logo o bom delas vai estar no meu bom?'. 'não, tudo de bom pra você vai estar lá'. 'tudo que eu considero bom agora?'. 'sim'. 'mas e se no futuro eu começar a achar algo bom? ai eu vou ficar sem ele porque ele não era bom no momento que eu cheguei?'. 'não'. 'sério?'. 'sim'. 'uau'. 'uhum'. 'legal esse céu, hein?'. 'é o melhor'. 'e o que eu faço agora?'. 'apenas passe por essa porta'. 'essa azul?'. 'sim'. 'tem como desligar a luz dela, é que...'. 'não'. ‘mesmo?'. 'não'. 'sabia que esse céu não podia ser tão bom assim' e comecei a andar em direção à porta. irritadamente o homem de terno branco apertou um botão na mesa e a porta se abriu. comecei a andar em direção à luz quando minha retina aparentemente pediu demissão por excesso de trabalho e tudo ficou preto.

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acordei tremendo. minha retina aparentemente havia voltado porque consegui ver a luz forte. uma sombra se sobrepôs entre mim e a fonte de luz. essa sombra tinha um certo formato humanóide, usava uma mascara, uma toca, e um jaleco com uma plaquinha escrita Dr. blah blah blah, não lembro. comecei a ouvir um beep constante. novamente ouvia pessoas comemorando e por um momento achei que estava de volta à sala de espera de aeroporto quando senti minha mãe me abraçando e chorando. ela dizia o quanto estava feliz e que achava que ia me perder e etc. o doutor veio então me perguntar se eu sabia meu nome, e esses procedimentos médicos, e eu estava muito bem na verdade.


alguns dias depois minha mãe veio me contar como era algo impressionante como eu havia sobrevivido um tempo surpreendentemente longo basicamente morto e que por algum motivo eu havia demorado mais do que o normal para passar dessa pra melhor. ia começar a contar a historia para minha mãe quando ela veio e me abraçou e decidi que era melhor deixar para depois

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na porta azul, o homem de terno branco olhava enquanto o garoto irritante ia, finalmente, em direção a porta quando derrepente ele sumiu. simples assim. o homem de branco ficou encarando surpreso a porta por um tempo. tirou os óculos, limpou-os com a manga do terno, colocou-os de volta e olhou outra vez. o garoto tinha realmente sumido. 'cada coisa que me acontece' pensou enquanto se virava para fechar a porta e atender uma alegre velhinha que vinha saltitando em sua direção.