domingo, 30 de maio de 2010

Cloud Cuckoo Land - Parte I

Data: 30/05
Dia: 0

Hoje vou receber um paciente bem interessante aqui no consultorio. aparentemente ele sofre de algum tipo diferente de ilusão, o médico que me ligou não deu grandes explicações.
trarão ele do hospital do centro da cidade. os medicos de lá disseram que tentaram de tudo e que nada funcionou. então resolveram traze-lo para a nossa clinica, que é mais especializada em disturbios psiquiatricos desse tipo. me senti honrado, claro, mas estranhei o fato de não terem conseguido fazer nada. vou prestar atenção nesse paciente.

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'Bom dia mundo!' pensei ao acordar. olhei pela janela, o dia estava como sempre belíssimo. quase que de maneira clichê, o sol brilhava, os passaros cantavam, as pessoas andavam na rua se comprimentando, a criancinha brincava na rua. mais um dia perfeito.
andei animado até a cozinha. lá, toda a familia já estava de pé. com sorrisos, todos nos demos bom dia, perguntamos como havia sido a sua noite e tudo mais. preparei uma deliciosa torrada e comi-a. na TV passava o jornal. aparentemente tudo ia bem. a economia crescia, a paz reinava e ninguem havia matado ninguem. enquanto meus pais conversavam sobre a corrida que eles iriam fazer no dia seguinte, fui checar o calendario para ver o que havia programado para hoje. clube de manhã, trabalho a tarde e a noite um magnifico jantar com a minha namorada naquele restaurante maravilhoso no centro da cidade.
subi as escadas, tomei um delicioso banho, me arrumei e passei o meu novo perfume. muito cheiroso por sinal. fui me despedir do meu pai, que me avisou que antes de ir pro trabalho eu teria que ir com ele nos encontrarmos na faculdade com meu tio. o clube ficava para outro dia.
a cidade estava maravilhosamente viva hoje. o transito estava quase nulo e cheguei na faculdade rapidamente. meu tio, professor na faculdade, estava me esperando na porta. quando chegamos meu tio e meu pai conversaram algo rapidamente e se despediram. deixei a chave do carro com meu pai que seguiu com o carro e acompanhei meu tio para dentro da faculdade. meu tio começou a fazer então uma sério de perguntas interessantes e tentei responde-las da melhor maneira possivel. gosto muito do meu tio.
nós ficamos conversando por um longo tempo. na hora de ir para o trabalho percebi que estava sem a chave do carro e sem o proprio carro para inicio de conversa. meio envergonhado, pedi o carro do meu tio emprestado. para minha surpresa ele me emprestou-o na hora. eu realemente achava que ele não emprestaria. o carro dele era uma antiguidade belissima que ele cuidava como um filho. agradeci de todas as meneiras possiveis. ele me guiou até o carro e fechou a porta para mim
dirigi feliz pela cidade. todos me olhavam com admiração. afinal, não é sempre que um carro desses anda pela cidade.
estacionei na garagem do prédio e subi para o trabalho. comprimentei todos no caminho. sempre gosto de dar bom dia para todos, nós sempre nos damos muito bem.
cheguei na minha sala rapidamente. não é a maior sala do prédio, ela pertence ao presidente da compania. já me ofereceram muitas vezes o cargo de presidente mas eu nunca aceitei. não queria ter responsabilidade demais, por isso aceitei esse cargo que tenho no momento, que é puxado, mas dá um bom salario e consigo meu tempo livre.
tudo ia ótimo na empresa. os numeros verdes cresciam e os vermelhos diminuíam.
o dia passou rapidamente e já estava na hora de começar a me arrumar para o encontro. fui para casa com o carro do meu tio, aproveitando cada momento de direção daquela bela maquina. cheguei em casa com meu pai na porta adimirando o carro. tirei onda um pouco e entrei para dentro para me arrumar. tomei um banho demorado, me arrumei e saí. quando olhei para o relogio vi que estava atrasado. liguei para ela e ela me acalmou avisando que tambem estava atrasada.
chegamos ao mesmo tempo no restaurante. els estava simplesmente linda. nunca na minha vida eu achei que conseguiria uma mulher assim. ela era a mulher perfeita. belissima, inteligente, engraçada, possuia um ótimo gosto musical e além do mais tocava cello.
fomos juntos até o garçom que nos guiou até a nossa mesa. puxei a cadeira para ela como todo bom cavalheiro e ela me retrubuiu com um belo sorriso.
pedi pro garçom o melhor caviar e o melhor champagne que ele podia nos fornecer. ele concordou e partiu.
começei a conversar com ela, e nos entretemos tanto que simplesmente perdemos a noção do tempo. mas voltamso à realidade com o ronco de nossas barrigas. chamei o garçom que passava e pedi para que trouxesse logo a nossa comida pois estavamos nós dois mortos de fome.
continuamos a conversar até que o garçom chegou com a comida. brindamos e começamos a comer. a comida estava simplesmente maravilhosa. chamei o garçom para que ele falasse para o chef como aquele caviar era provavelmente o melhor que ele já havia comido na vida dele. o garçom agradeceu o elogio e foi para a cozinha contar para o chef.
depois de terminadas nossas refeições, ficamos conversando por um longo tempo, até o momento em que o restaurante ia fechar e deveriamos partir.
a casa dela era bem perto do restaurante então resolvemos ir andando. chegamos na porta dela rindo até quase cair. depois de conseguirmos nos conter nos despedimos com um beijo e voltei para o restaurante para buscar o carro e ir para casa. do nada me veio um forte sono. rapidamente cheguei em casa e me deitei

essa foi definitivamente um noite maravilhosa.

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Data: 31/05
Dia: 1

estou simplesmente em estado de choque. nunca em minha vida eu vi algo assim. quando ele chegou o medico que o acompanhavam me encontrou do lado de fora do carro e me explicou que no momento ele acreditava que estava na faculdade, onde eu era professor, e que era melhor não negar esse fato. cumprimentei-o gentilmente. ele não parava de me chamar de 'tio' por algum motivo. ele me perguntou sobre a faculdade, como iam as aulas e reclamou do tempo. eu apenas fui com a historio, e respondi todas as perguntas como se tudo fosse verdade. com a desculpa de ver algo sobre a materia, levei-o até uma das salas do consultório. lá tentei trazê-lo de volta para a realidade perguntando coisas sobre o mundo real. nesse momento vi uma das reações mais impressionantes de toda a minha carreira. o cérebro dele se protegeu de tal forma dentro de seu mundo privado, que quando eu fazia uma pergunta sobre o mundo dele, ele respondia naturalmente, mas qunado era uma pergunta sobre o mundo real, ele simplesmente distorcia completamente a pergunta de forma que ela se encaixasse em algo coerente com o mundo dele e respondia como lhe fosse conveniente. fascinante. depois ele me veio falar que precisava ir para o trabalho e, como o carro tinha ficado com o pai dele (que eu suponho que ele achasse que fosse o médico que o trouxe), ele me pediu o meu emprestado. vendo que não funcionaria em nada tentar negar a historia, falei que não havia problema e o guiei até um dos nossos leitos. quando chegamos na porta da sala, resolvi testar algo e falei que aquela era a porta do carro. quase que instantaneamente, o que era para ser na verdade uma porta normal, na mente dele se transformou na porta de um carro belissimo e de colecionador. ele ficou bastante feliz, me abraçou agradecendo, entrou na sala e acenou em despedida pela janela da porta enquanto eu a fechava e a trancava.
pelo resto do dia eu fiquei observando-o pela camera instalada na sala enquanto ele agia de acordo com seu mundo. vi quando eu fechei a porta como ele se sentou na cadeira e se movimentou como se estivesse dirigindo um carro e comprimentando pessoas imaginarias. depois ele aparentou entrar em um ambiente de trabalho onde comemorava o aumento dos lucros da empresa e vivia um dia normal de trabalho. depois ele começou a andar em circulos pela sala. acredito que ele estava achando estar andando pela cidade. ele então começou a se arrumar para um encontro que ele iria aparentemente ter. ele dirigiu novamente seu "carro" até em casa, onde ele foi tomar banho.
a parte do tomar banho é que realmente me impressionou. o nivel da profundidade de sua ilusão é tão grande que ele aparentemente sentia, ouvia e cheirava tudo como se fosse verdade. ele tirou a roupa, ligou o chuveiro imaginario, e ficou se movimentando como se passando o sabão pelo corpo, lavasse a cabeça. teve um momento em que ele começou a reclamar de dor nos olhos pois shampoo havia caido neles. curioso, dei um zoom na imagem e percebi que os olhos dele estavam vermelhos e lacrimejando, como se realemtne houvesse caido shampoo em seus olhos! depois de tudo isso ele colocou de volta as roupas (felizmente) e passou o que parecia ser um "perfume" e apreciou um cheiro inexistente.
ele entrou no carro e saiu em direção à algum lugar. no caminho ele olhou para um relogio imaginario e pareceu surpreso com algo. pegou um telefone imaginario e "ligou" para alguem. chegando nesse lugar (que então descobri que se tratava de um restaurante) ele se encontrou com a pessoa do telefonema. descobri que se tratava de um relacionamento afetivo imaginario que ele estava tendo. ele agia como se a mulher (ao menos eu suponho que seja do sexo feminino) estivesse na sua frente (seu olhar é vazio e não tem nenhum centro de atenção definido). eles então se sentaram em uma mesa imaginaria e pediram comida e ele ficou conversando.
eu me perguntei se deveria traze-lo comida, mas como parte de teste preliminares resolvi não trazer nada e ver como ele reagia. depois de ficar quase 40 minutos conversando com sua(seu) namorada(o) ele começou a reclamar que estava com fome e, em uma de suas ilusões, agiu como se houvesse realmente chegado a comida. 'é agora' eu pensei. para meu espanto, ele começou a roer a mesa em frente à ele.
com medo de que ele pudesse se machucar, sai em direção à seu leito e entrei na sala. quando cheguei, sua boca estava sangrando e coberta de farpas. ele ao me ver sorriu e (aparentemente não me reconhecendo como seu "tio") me pediu, e eu cito, que 'falasse para o chef como aquele caviar era provavelmente o melhor que ele já havia comido na vida dele'. eu apenas agradeci o elogio e me retirei da sala.
eu não podia deixar ele e aquela boca dele naquele estado. pedi para uma des enfermeiras me trazer um acalmante numa seringa. e em um momento em que ele estava de costas aparentando dirigir um carro, silenciosamente me aproximei e injetei o calmante. ele então cambaleou um pouco, foi em direção a cama, e se deitou como se estivesse indo dormir em uma dia normal.

esse caso é muito mais sério do que eu imaginava.

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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Life sucks, and then you die - Parte I

Favor ler o texto anterior antes de ler esse.

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mais um dia. mas um maldito dia. não que eu ache que a vida é uma merda, realmente não, mas eu digo que ela é um saco. como diria The Fools 'Life Sucks, And Then You Die'. mas eu não tenho nenhum desejo suicida, acho que terminar a propria vida é uma atitude muito, para não dizer emo, de frufru. logo, não querendo ser mais um dos cortadores de pulso, eu vivo de acordo com a musica. life sucks and then you die. essa eu considero uma bela frase. uma verdade até certo ponto. todo dia minha rotina é a mesma. todo dia durmo no mesmo horário, acordo no mesmo horário, me arrumo da mesma forma, vou para o colégio da mesma forma, passo o dia da mesma forma e vou dormir da mesma forma, no mesmo horário. confesso que a maior variação que ocorre no meu dia-a-dia é a mudança de horários da aula. que animador.
honestamente eu achava que as coisas iam mudar. nunca fui de ter muitos amigos, não me dou bem com pessoas, e honestamente não me importo. mas eu tinha esperança, sabe? eu achava que depois que a escola acabasse e eu finalmente fosse pra universidade o mundo seria um lugar melhor, e eu marquei a entrada na universidade como o momento de mudança da minha vida. com tudo planejado, estudei, estudei como um puto (não que eu ache que putos(as) estudem muito, é apenas uma expressão). no dia, tudo pronto, preparado, alimentado, estava pronto para fazer a prova.
uma das coisas que eu mais considero que foi uma falta de azar foi ele ser da minha sala. aquele menino loiro desgraçado que tem um serio problema de superioridade. não há um motivo explicito, como eu rapidamente percebi, ele apenas criou o objetivo na vida de ser o cara mais filho da puta possível. sempre tentei dar o mínimo de atenção à ele, talvez assim ele fosse embora, mas não, ele tem que testar limites, tem que ver até onde eu vou. filho da puta.
no dia da prova entrei na sala, pronto para fazer aquela prova e me livrar de tudo, partir para uma nova vida, mas, assim como diz a musica, life sucks. ele era da minha sala. ELE! no momento em que eu entrei na sala eu senti que ele percebeu minha presença. quase como um leão farejando sua presa, ele lentamente se virou em minha direção, e no momento que nossos olhares se encontraram ele deu um sorriso. um sorriso de um leão prestes a se alimentar.
eu empalideci na hora. como era possível?! o que eu fiz de ruim na minha vida pra eu merecer algo assim? OQUE? ele veio devagar, sem pressa, sabendo que eu não ia a lugar nenhum. fez questão de ficar incrívelmente perto de mim e olhar pra baixo (maldita genética). senti seu bafo nauseante enquanto ele falava. nem cheguei a prestar atenção no que ele falava. provavelmente nada do que ele estava falando iria melhorar em nada quem eu sou ou porque eu estou aqui, mas, na precaução resolvi prestar atenção no que ele falava. olhei pra cima, e, para minha total e completa surpresa, ele sorria. não o sorriso de leão, um sorriso... humano?! ele perguntava como eu estava, se eu estava pronto pra prova. dei apenas respostas monossilábicas. no final ele apenas sorriu novamente e me deu uma abraço. UM ABRAÇO! eu não espero que você acredite, eu pessoalmente não acreditei. mas então ele me desejou boa prova e foi para seu lugar que era do lado do meu. ainda abismado fui para meu lugar e me sentei. acabou que o dia havia começado melhor do que eu imaginava. 'quem sabe hoje realmente marca um dia de mudança na minha vida' pensei.
o fiscal então entregou as provas. recebi a minha otimista, havia estudado como nunca, então estava bem confiante. comecei a prova, a maioria das questões era bastante fácil e eu respondi rapidamente, já na metade da prova começou a parte de exatas, que era a parte que valia um maior peso pra meu curso, e a mais importante. 'ok' pensei 'vamos lá'. fui então tentar pegar minha calculadora no meu bolso direito. não estava lá. 'talvez o esquerdo?'. nada. 'caralho, cadê minha calculadora?!' pensei. já em desespero, comecei a procurar em todos os cantos. em baixo da mesa, da cadeira, nos bolsos da calça. nada. mas eu jurava que eu estava com ela. foi quando ouvi um 'pss' vindo do meu lado, e lá estava ele. o menino loiro balançando minha calculadora e olhando para mim com um sorriso. agora não mais o sorriso humano, o leão havia voltado, e dessa vez ele já estava com o sangue nos dentes.
eu fiquei completamente sem reação, já que basicamente eu literalmente não tinha o que fazer. não podia chamar o fiscal porque ele não acreditaria e material não pode ser emprestado. não podia saltar em cima dele porque não daria em nada, e eu levaria um boa surra. olhei para ele com um olhar de morte, um olhar que eu nem sabia que era capaz de fazer. o olhar de que você não deseja só a morte da pessoa, você deseja o sofrimento eterno.
e ele se divertia como sempre. olhava pra mim se contendo para não rir da minha cara. quando escapou um sorrisinho ele se conteve e voltou a prestar atenção na prova. fiquei encarando-o por uns bons 15 minutos. o fiscal então começou a estranhar e voltei minha atenção para a prova. cada calculo mais difícil que o outro. números com 6 casas decimais me encaravam quase que me desafiando. 'como diabos eu vou fazer isso sem calculadora PORRA?!!' pensei. tentei respirar fundo, contar até dez.
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.
o relógio ia passando enquanto eu me matava para fazer cada questão boba. a cada batida do relógio eu ficava mais desesperado.
o fiscal então anunciou que faltavam apenas 15 minutos e que quem havia terminado podia sair. 'como assim 15 minutos?! não.' pensei em desespero 'eu ainda tenho quase 1/4 da prova pra fazer, não dá tempo!'. já que não dava, fui tentar chutar todas as questões, estava começando a pensar quando lembrei que, poxa vida, ainda não havia passado as respostas pro cartão.
comecei a suar frio e a tremer. 'e agora? o que eu faço?!'. e, como era de se esperar, Ele resolveu por a cereja no bolo.
enquanto o fiscal se distraia recebendo as provas, o menino loiro veio do meio lado e cochichou no meu ouvido 'acho que você vai precisar disso', colocou a calculadora gentilmente em cima da minha mesa e saiu me dando um tapinha nas costas.
a raiva me consumiu, joguei minha mesa para o lado e saltei nas costas dele. com a vantagem da surpresa consegui acertá-lo umas boas vezes antes dele tomar o jeito. ai eu tava fudido. ele me segurou e me jogou na parede me dando um soco assustadoramente forte na minha boca do estômago. provavelmente eu só sai inteiro daquela sala porque o fiscal rapidamente se pôs no meio da briga e nos levou para uma outra sala.
por culpa do soco eu não conseguia respirar direito. na sala para onde fomos levados, nos mandaram sentar de um lado de uma mesa. eu ainda tremia de raiva quando um homem de terno entrou na sala e se sentou na nossa frente. ele explicou que, por causa de nossa "brincadeirinha" nossas provas seriam anuladas. eu não me importei, eu não entraria de qualquer jeito, mas o menino loiro se importou, até bastante, e começou a gritar com o homem engravatado. falava que era um absurdo, que a culpa não era dele, que eu havia começado tudo e mimimi. quando ele começou a mostrar sinais de agressividade, o homem de terno chamou um segurança que nos arrastou para fora do colégio onde estávamos fazendo a prova.
eu olhei para ele com um sorriso de felicidade, afinal ele havia me feito perder a prova, e eu havia feito ele perder a dele. ele se virou para mim. eu vi a cara de raiva dele. ele viu meu sorriso. eu vi o punho dele na minha cara.

acho que nunca na minha vida eu apanhei tanto. nem tenho muitas memórias da "briga" em si, apenas lembro de acordar no hospital. minha perna estava engessada, minha cabeça enfaixada e meu corpo inteiro roxo. senti algo estranho no meu rosto e quando toquei percebi que havia um ponto enorme fechando uma cicatriz que pegava boa parte da minha maça do rosto. cada movimento doía.
o medico entrou e olhou minha ficha, depois olhou para mim. 'pegaram pesado em você, não meu filho?'. odeio que me chamem de "meu filho". respondi com uma pergunta 'o que houve com ele?'. 'ele quem?'. 'o cara que "pegou pesado em mim"?'. 'chamaram a policia pouco depois que a comoção começou, conseguiram parar ele a tempo de você ter seqüelas mais sérias'. 'ele onde ele está agora'. 'eu não sei direito, ouvi uns policiais comentando que ele havia pagado a fiança, mas não sei se é isso mesmo'. fiquei em silencio. o que havia para se dizer?. reclamar que ele conseguiu escapar?. isso eu sabia que ia acontecer. então não fiz nada. o medico percebeu que eu não tinha nada mais a falar e desculpou sua saída falando alguma baboseira que tinha que ajudar uma mãe que o filho tinha perdido a memória ou algo assim. continuei não falando nada.
meus pais nunca se importaram muito com a minha situação, tanto fisica quanto emocional. eles tinha a idéia de que a escola que iria me criar, então enquanto eles pagassem-na, eu estava ótimo. não me impressionei ao chegar em casa, meu pai me ver como eu estava, e perguntar, apenas por protocolo, o que havia acontecido comigo. disse a desculpa mais clichê possível tentando ver se ele se importava um pouco dizendo que havia "caido das escadas". ele apenas me disse para tomar mais cuidado e voltou a ler o jornal. típico pai.
durante o resto das ferias eu fiquei basicamente em silencio. apenas dizia frases protocolares pro meu pai/mãe como bom dia e afins.
perto do final das ferias, depois de um longo banho me olhei no espelho. minha perna ja estava melhor e funcionava tão bem quanto antes, meus hematomas já estavam quase todos ausentes. eu já estava, pode se dizer, perfeito. se não por uma coisa. a cicatriz. ela me encarava toda vez que eu me olhava no espelho. um lembrete no mínimo. todo dia comecei a então me olhar no espelho e me lembrar.
mas um dia eu comecei a perceber o que estava acontecendo comigo, eu estava me tornando obcecado, ficando louco com a idéia de vingança, e isso não estava dando certo. resolvi então que, mesmo eu não tendo passado para a universidade, eu iria começar a mudar minha vida. arrumei meu cabelo, comprei roupas novas, me arrumei completamente para o primeiro dia de aula do cursinho.
ônibus nunca me deixam feliz. eles são no geral sujos e lotados, mas naquele dia, com o otimismo vindo de todos meus poros, nem isso me irritava. esse seria um novo dia. o primeiro dia de vida do novo eu.
sai do ônibus desejando bom dia para a velhinha mau humorada do meu lado e andei em direção ao cursinho. cheguei na sala, escolhi um bom lugar e me sentei, pronto para começar um novo capitulo em minha história.
como eu havia chegado bastante cedo, comecei a ler um livro. nunca fui de ler livros, mas o eu 2.0 achava-os o máximo, mesmo só tendo livro os livros imbecis da escola. perto da pagina 20, senti uma mão no meu ombro. nem precisei me virar para sentir aquele cheiro. o cheiro do leão. e lá estava ele, o menino loiro olhando para mim com um sorriso obviamente falso. suspeitei que ele tramava alguma coisa, porque mais ele estaria sorrindo assim? foi quando olhei pro lado e vi ela.
nunca me apaixonei, sempre achei isso uma coisa de filmes de menininha. tentei sempre consolidar em minha mente a idéia de que algum dia eu iria me dividir por mitose e surgiria um filho meu. mas aquele momento me provou o contrario.
era provavelmente o ser mais lindo da face da terra. cabelos lindos, pele perfeita, olhos azuis. enfim, a mulher ideal.
amor a primeira vista? não sei, mas ela definitivamente tomou minha atenção.
o menino do cabelo loiro começou a forçar comigo da mesma maneira que forçou no dia da prova. mas eu não fiquei irritando, comecei a babar e tentei arrancar a garganta dele no dente. não. eu só conseguia olhar para ela. ele percebeu e a trouxe para perto e nos apresentou. me movi muito mecanicamente enquanto nos aproximávamos para dar o tradicional beijinho de cumprimento e senti provavelmente o cheiro que nunca vou esquecer. ele então se despediu e começou a ir embora com ela. fiquei encarando-a enquanto os dois se afastavam e ele percebeu. avisou para ela que ia falar comigo "rapidão" e já voltava. ele veio então bem perto de mim e da mesma maneira que no dia da prova cochichou em meu ouvido 'bonita ela né?'. me limitei a simplesmente concordar com a cabeça. 'então, ao menos pense em chegar perto dela, só pense, que eu vou te dar muitas dessas cicatrizes ai desse seu rostinho' e me deu um tapinha dolorido na minha cicatriz, se despediu com um sorriso e voltou para ela.
fiquei paralisado enquanto eles iam para seus lugares.
não consegui prestar atenção em nenhuma aula no resto do dia. eu apenas fiquei me perguntando porque. porque, justamente quando eu estou pronto para fazer a mudança na minha vida ISSO acontece?! PORQUE?! eu não entendo. não entendo mesmo.
no final da aula levantei devagar, todo mundo ja havia saido da sala. fui, sem pressa em direção ao portão de saída, subi as escadas e dei de cara com os dois. eles apenas conversavam. ele percebeu que eu os encarava e começou a se pegar com ela. mas não se pegar namoradinhos de 12 anos. não. começaram a se pegar como animais. ele não se importava o quão publico era o lugar onde eles estavam, mas se dava ao trabalho de tentar tocar ela por completo. e ela deixava.
fiquei olhando essa cena. quando ele percebeu que já tinha feito deu ponto, eles se separaram do corpo único que haviam formado e foram em direção ao carro de filhinho de papai dele. ele se virou e se limitou a dar uma piscadela para mim enquanto colocava a mão na bunda dela.
eu não tinha palavras.
eu não tinha pensamentos.
decidi não pegar o ônibus para casa, não aquela coisa suja e nojenta, fui andando.
o caminho era gigantesco, eu sabia, mas não me importava.
fui quieto, sem nenhum pensamento na minha mente. esvaziei-a por completo com medo que se eu realmente fosse pensar no que havia acabado de acontecer algo daria muito errado. então assim eu fui. no silencio, no vazio e na solidão.
algo tomou minha atenção, barulho de sirenes de policia vinham de todas as direções e supus que algo estivesse acontecendo. olhei para os lados e não vi nada, quando me virei um homem correndo esbarrou forte comigo. fui jogado à distancia me ralando pouco. do lugar onde eu estava eu pude ver toda a comoção que acontecia. o homem estava caido no chão com um olhar vazio como se procurando algo dentro de si mesmo. a policia apareceu gritando e apontando armas para ele falando para ele soltar a que ele (assim como eu fui perceber só naquele momento) estava segurando. o homem parecia perdido (ou como se tivesse perdido algo), e, para minha surpresa e espanto, ele se limitou a simplesmente colocar a arma na boca dele e atirar.
sangue voou para todo o lado, eu fiquei imóvel olhando toda a cena acontecer. 'o que diabos acabou de acontecer?!' me perguntei. 'apenas a ordem natural das coisas' uma voz desconhecida me respondeu. isso me pegou de surpresa. havia alguém perto de mim? olhei em todas as direções. nada. 'levante e saia daí' disse a voz. num primeiro momento eu fiquei aterrorizado ao perceber que a voz vinha da minha cabeça, mas ela me acalmou. não foi difícil. ela era tão bonita, tão macia, tão...


perfeita.



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Iago Schütte

domingo, 16 de maio de 2010

Amnesiac

Acordei. eu sentia como se eu literalmente não tivesse forças pra viver, o que é uma pessima sensação. esta tudo incrívelmente absurdamente claro e branco. não sei quem foi a péssima alma que teve a idéia de fazer um lugar que tende a ficar incrivelmente claro e pintá-lo todo de branco, isso não se combina. mas enfim, eu tinha coisas mais importantes com o que me importar no momento (haha, adoro essas situações de palavras iguais. caham.). primeiro, onde estou? bem, obviamente estou no lugar mais claro da terra, mas isso não exatamente me ajuda. próxima pergunta. o que estou fazendo aqui? bem, até onde eu vejo eu estava dormindo, e um sono bem profundo vale a pena acrescentar, sentia como se minhas pernas ou braços não houvesse sido mexidos a um longo longo tempo. bom, ainda não respondeu muita coisa, mas melhor que a resposta do lugar branco. bem, o que mais me perguntar? na minha situação de cegado pela luz e atordoado e fraco, não tem muito o que eu possa me perguntar com relação ao exterior. então vamos começar pelas perguntas básicas, fáceis de se responder. comecei a me perguntar, e pergunta após pergunta eu simplesmente não conseguia responder. comecei a entrar em pânico. onde eu moro? não sei. qual é o meu nome? não sei. de onde eu vim? não sei. ... . quem sou eu?
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não havia nenhum som. ninguém falava nada. não era um daqueles momentos em que se coloca uma boa musica e se dança comemorando a boa colheita. era um daqueles momentos em que, simplesmente, não havia o que se dizer. minha mãe dirigia o carro segundo o volante hora com uma rigidez incrível, outra quase que o soltando, o que honestamente me preocupava. se fosse pra eu morrer que não fosse num acidente horrendo de carro.
silencio.
olhei pra minha mãe e tentei decifrar a(s) emoção(ões) que se passavam em seu rosto. ela estava em um momento com uma cara de raiva como se fosse espancar o próximo coitado que passasse na frente dela, ao mesmo tempo que uma corrente de lágrimas escorria por seu rosto.
silêncio.
sim não era uma situação pra se bater um papo sobre futebol ou contar uma piada, mas eu não aguentava mais aquele silencio e eu sentia que se eu não falasse algo logo minha mãe abriria a porta e se jogaria do carro.
comecei a tentar abrir uma comunicação. 'mãe, eu...'. 'não filho! não... não...'. 'mas mãe, eu acho que a gente...'. 'filho... só... não...'. e ficou por isso mesmo. ela se controlava para manter o olho na estrada, mas toda vez que paravamos em um sinal ela abaixava a cabeça e chorava.
durante todo o percurso de volta pra casa do hospital eu não falei mais nada. achei que era pra melhor.
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pouco a pouco eu consegui me adaptar à luz absurda daquele lugar e as coisas passaram de borradas para levemente definidas. estava deitado de costas olhando pra cima. tentei levantar minha cabeça pra encontrar meu queixo no meu peito mas não tinha energia nem para isso. fiz o esforço de então olhar para os lados. a minha esquerda havia em cima de uma estante uma cesta com vários balões presos a uma cesta com varias coisas que não conseguia identificar já que minha vista continuava borrada. voltei minha cabeça pra cima e tentei fechar os olhos para tentar novamente refletir sobre o que diabos estava acontecendo. quem sou eu? não sei. quemsoueu? não sei. QUEM SOU EU?... não sei...
percebi então que estava com sede, muita sede. nesse momento ouvi passos ao meu lado. abri os olhos e virei minha cabeça. uma mulher com uma roupa rosa estava do meu lado mexendo em umas gavetas. juntei o máximo de forças que eu pude e falei 'água...'. minha voz saiu incrivelmente fraca, tanto que fiquei surpreso quando a mulher se virou e pareceu surpresa ao me ver. não entendi porque. pedi novamente agua. ela, agitada, começou a olhar as telas que só então percebi que estavam a toda a minha volta, olhou pra mim, me pediu para esperar e saiu correndo da sala. continuei parado, olhando pra cima. não estava conseguindo pensar, só tinha em mente o fato de que eu realmente estava com muita sede.
comecei a ouvir uma agitação e quando olhei um cara vestido completamente de branco estava entrando na sala acompanhado da mulher de rosa e de uma outra vestida com uma roupa normal jeans e camiseta.
o medico chegou ao meu lado e, assim como a mulher de rosa, começou a olhar as telas enquanto a mulher de rosa me dava agua. bebi alegre. era mais difícil engolir do que eu imaginava, mas deu certo. depois de tomar até a ultima gota a mulher de jeans veio rapidamente até mim e começou a me abraçar. o abraço era realmente forte. ela então me soltou e começou a me olhar e a falar como era um milagre eu estar vivo, que ela me amava, que ela nunca perdeu a fé, que ela sempre soube que tudo daria certo e me abraçou de novo. dessa vez mais forte. depois ela me soltou e me olhou nos olhos. eu só tive forças para perguntar 'quem é você?'.
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chegamos em casa. nenhuma palavra. saímos do carro. nenhuma palavra. subimos o elevador, entramos em casa. também nenhuma palavra. quando já dentro de casa, depois de fecharmos a porta, minha mãe pulou em cima de mim, me abraçou forte e começou a chorar. eu simplesmente a abracei de volta e ficamos assim por um longo tempo.
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'o que você disse?' a mulher me perguntou. eu juntei forças e disse outra vez 'quem é você?'. ela ficou pálida e continuou me encarando por alguns segundos quando percebi que ela estava chorando. ela ficou de pé rapidamente e saiu da sala. o medico saiu atrás dela enquanto a enfermeira continuava lendo uma prancheta. olhando para a direita havia um vidro que permitia ver o lado de fora da sala. vi a mulher e o medico. a mulher chorava de cara para uma parede com as mãos encolhidas no rosto enquanto o medico tentava acalma-la. como gastava muito da minha pouca energia ficar acordado vendo essa situação toda, simplesmente ignorei tudo e voltei a dormir
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eu estava tão preocupado quando ela, é claro, mas eu tentava manter a calma, sempre me considerei uma pessoa otimista que tenta manter o bom astral na situações mais adversas. depois de um bom tempo abraçado com minha mãe, guiei-a até o sofá onde sentamos um ao lado do outro. tentei conforta-la falando que ia dar tudo certo e ela me indagou 'como você pode ser tão otimista numa situação dessas?!'. 'eu simplesmente sei que ficar sofrendo não resolve nada' eu respondi. 'mas filho....' ela respondeu 'você ouviu o que o doutor disse! como você consegue ficar... feliz?!'. respirei fundo e comecei minha resposta 'eu não estou feliz mãe. ninguém em sã consciência ficaria feliz numa hora dessas. eu apenas não estou triste.'. 'filho, o médico disse que você pode muito bem daqui a duas semanas ter um derrame e entrar num coma ou ,pior ainda, morrer, e você não fica triste?!'. 'honestamente mãe. eu não fico. porque eu não tenho porque ficar triste. eu aproveitei bem a minha vida. não me arrependo de nada que fiz. aproveitei o que tive para aproveitar'
tentei um sorriso otimista, mas minha mãe simplesmente me abraçou novamente e voltou a chorar.
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Ta tarde, depois eu dou um jeito de terminar. boa noite.


Iago Schhütte - feels like spinning plates

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Cosmo-agonia Parte 1

era um dia normal no nada. o nada fazia nada. e o resto do nada também continuava em uma inércia completa. nada.
do nada surgiu algo, esse algo fez um barulho fudido, na verdade eu não sei se voce poderia dizer que houve um barulho, tanto porque som não se propaga pelo nada, e tambem pelo simples fato de que não havia ninguém ali que pudesse falar 'uau, mas esse foi realmente um som alto. macacos me mordam'. mas dizem as más linguas que foi um barulho fudido, e na falta de qualquer evidencia do contrario, diremos que houve, no final de contas, um puta de um barulho.
depois do barulho, veio o silencio. os primeiros vestígios do algo começaram a ocupar o lugar que o nada antes ocupava e a juntar ali coisas cada vez maiores. o nada, obviamente não gostou, mas não havia nada que o nada pudesse fazer. e se voce for pensar bem, se não havia nada, não tem como o nada ter perdido algo, ja que literalmente não havia algo. após chegar a essa conclusão acalmante o nada foi para a sala e pegou sua xicara de nada e tomou um chá inexistente.
enquanto o nada se exaltava com seu magnifico chá de nada, o algo estava ativo, se empolgando cada vez mais. pegava uma nuvem de algos aqui, juntava com uma grande bola de algos dali, e do nada (ou do algo, não sei, sinonimos me fogem) os algos entravam em chamas e ficaram mais claros que, bem, não se sabe, era primeira vez que algo brilhava como aquilo desde que o algo surgiu fazendo um tremendo barulho (ou não).
em volta das bolas brilhantes de algos começaram a se formarem nuvens de algos. os algo nas nuvens começaram a se juntar. quanto mais algos ficavam juntos, mais algos queriam se juntar ao grupo. e aos poucos foi se formando um grande algo, não tão grande quanto o grande algo brilhante, mas um algo bonito.
ok, a verdade seja dita, essa bolinha de algos era uma absurdamente, estonteante, assustadoramente e imensamente inutil e desprezivel bolinha. incandescente, malfeita e sem graça. mas bem, o algo resolveu continuar seu trabalho, e depois de decepcionado com a bolinha inutil, resolveu fazer algos mais maravilhosos ainda, mais gigantescos que a grande bola gigante brilhante de antes. mais brilhante que o brilho da grande bola brilhante. o algo basicamente se entreteu se superando.
e assim, devagar e sempre o tempo passou e, em meio ao belo trabalho feito pelo algo, aquela bolinha inutil perto da agora insignificante bola brilhante começou a ficar diferente, o que atraiu a atenção do algo. a bolinha agora não era mais uma grande coisa incandescente, era uma grande poça d'agua, com um pouco de terra aqui e ali. o algo ficou abismado com o twist que houve naquela historia. 'quem imaginaria que isso viria a acontecer?' peguntou o algo para o nada (no sentido de nada nada mesmo, e não o nada do nada de antes do algo, capisce?). mas então o algo sentiu algo estranho da superfície da bolinha, uma presença que ele não sabia explicar direito, mas ele foi se aproximando, se aproximando, cada vez mais até ficar quase dentro da agua, vendo tudo em seus minimos detalhes. não havia nada, apenas agua. 'uau, que surpresa' pensou o algo quando prestes a sair da agua algo tomou sua atenção. algo minusculo, quase imperceptivel, nadando em meio as turbulentas aguas do planeta bolinha.
o algo foi então examinar de perto a coisinha.
era interessante. ou nem tanto. mas era fascinante no minimo. era basicamente uma bexiga com um monte de coisas dentro.
a coisinha rodava, piruteava, flopava, uilomeava, tudo em uma imensa diversão, como se estivesse acabado de aprender a, bem, 'ser'.

'haha', pensou o algo, 'isso vai ser divertido'