segunda-feira, 28 de junho de 2010

Monochrome

'porque você está aqui?' perguntou o homem de branco. 'para fazer o que devia ter feito a muito tempo' disse o homem de preto. os dois ficaram se encarando por um tempo que acredito eu que para eles foi rapido, concentração tem esse efeito, mas para reles mortais assistindo a cena, foi tão longo quando uma mente consegue suportar. 'eu me pergunto' começou o homem de branco 'o que nos levou a ter esse debate'. 'mas não é obvio?' falou o homem de preto 'olhe a sua volta. veja bem o que aconteceu, acontece e acontecerá'. o homem de branco olhou rapidamente para a janela apenas para não parecer rude, não precisava realmente examinar, ele sabia muito bem o que estava acontecendo. era o caos. ele sabia que tinha feito algo errado, ele sabia que todos naquela tentativa de governo fizeram algo errado. eles não achavam que estavam errando, claro, raramente alguem erra estando ciente de seu erro. para eles era a coisa natural a se fazer, a oportunidade surgiu, então a melhor opção era claro aproveita-la. mas, assim como foi bastante enfatizado, havia sido um erro. 'qual é o seu ponto?' indagou o homem de branco. 'meu ponto?!' riu satisfatóriamente o homem de preto 'haha. meu ponto, meu amigo, é o de que você sabe muito bem o papel que voce teve nisso tudo, você sabe o que você fez. não sei como o senhor consegue dormir a noite. o mundo o qual você dizia amar, o mundo para o qual você jurou lealdade está em chamas. ele queima. arde alimentado pelas idiotices que você fez. não foi por boa vontade que você fez o que você fez, não foi por amor. foi a ganancia. a vontade de ter demais. você não só ultrapassou os limites como jogou-os no lixo e riu deles. esses limites existiam por um motivos, eles existiam porque alguem em algum momento soube que alguem como o senhor iria surgir e usar de suas ferramenteas para tentar demais. querer demais. você foi esse alguem. você destruiu o mundo.'
silêncio.
o homem de branco sentava em uma posição pensativa, com os dedos entrelaçados em frente ao rosto. olhava profundamente o homem de preto. novamente se deu uma daquelas longas pausas. o homem de preto esperava ansioso por uma resposta. aquele era o momento que por muito ele havia esperado, o momento de esfregar na cara deles o que eles haviam feito. de esfregar o focinho do cachorro no cocô que ele fez. o momento de se vingar.
o homem de branco o olhava com os olhos fixos, raramente piscando. depois de muito pensar. ele se preparava para falar quando um tijolo quebrou a janela. os dois homens monocromaticos foram à janela ver o que havia lá fora. olhando para baixo (eles estavam no segundo andar) eles viam o caos literal. algo como apenas em filmes conseguimos imaginar acontecer. carros virados, alguns em chamas, manifestantes com paus e pedras indo em direção a policiais com escudos e fuzis. hidrantes estourados. cães soltos. casas em chamas. fumaça. confusão.
o homem de branco não proferiu uma palavra, não havia motivo. aquilo não era novidade para ele. tudo que o homem de preto havia dito era verdade. ele havia causado aquilo. e não havia muito o que fazer além de contemplar sua obra.
o homem de preto estava tão feliz quanto era possivel, aquele era o clímax que seu discurso pedia, a prova de tudo que ele disse. o homem de preto imaginava tudo como um grande cenário, como se tudo que se passava naquela sala isolada em um predio qualquer sem ninguem estivesse sendo assistido por milhões de espectadores, e agora que estava tudo no máximo, era hora de proferir o golpe de misericordia.
'então, bonito não é?' disse ironicamente o homem de preto. o homem de branco continuava a olhar de forma vazia para o lado de fora. 'se em algum momento o senhor achou que tudo o que fez, seus abusos e suas estupidezes, iriam dar certo, o senhor se enganou profundamente. e aqui' ele apontou para a janela 'está a sua prova. aqui está seu castigo.' proferiu o homem de preto.
silêncio.
o homem de branco deixou de encarar vagamente e seu olhar se tornou mais focado. seu olho mudava rapidamente de foco, olhava para os carros em chama, os corpos no chão, as brigas, o caos. foi então que ele se virou rapidamente e encarou o homem de preto. seus olhos mostravam um misto de tristeza e raiva. isso tomou de choque o homem de preto, que até então achava que o de branco era nada mais do que uma carcaça podre e fétida de um ser humano. aqueles não eram olhos vazios, havia algo lá.
'eu achei que iria dar certo. achei do fundo de meu coração. eu errei? claro que sim, cometi o erro mais banal e estupido que qualquer ser humano faria se tivesse a oportunidade. abusei do poder que tinha. você me julga. diz que sou um monstro, que não sou humano. fala que sou apenas um resquício do que um dia foi uma alma. mas não sou. tudo que fiz apenas prova o contrario do que você falou. o que mais faz um ser humano do que um erro? somos animais. somos o animal racional estupido. digo mesmo que até podemos esquecer o quesito racional da definição humana. o ser humano, esse animal que somos, possuio infinitamente mais caracteristicas animais do que o ser racional que alegamos ser. nos consideramos racionais por que ao invés de ficarmos nas arvores, nascendo, crescendo, procriando e morrendo. nós criamos. nós fizemos mais. criamos. criamos (ou descobrimos, se preferir) os numeros, criamos maravilhas da tecnologia, criamos coisas uteis e inuteis. criamos produtos. medicamentos. criamos muito. mas, para que criamos? a maior parte dos inventos não foram criados pela dita "vontade de criar o novo" e sim pela simples vontade de ganhar mais. ganancia. celulares, computadores. eles se expalharam e foram vendidos com a desculpa de que seus criadores queriam que o mundo se conectasse, que a grande massa desordenada que é o mundo pudesse ver sua desconezão de maneira mais geral. então pergunto: conseguiram isso? claro que sim. e congratulo-os por isso. mas os motivos foram outros. foram movidos pelo animal. foram movidos pelo sentimento e a necessidade de ganhar mais. a vontade de se impor aos outros animais pelas suas posses. mas, vamos sair desse ponto de vista financeiro e ganancioso, que por mais que será o maior exemplo, não é o único. parto então para a pergunta: porque procriamos? oras, não vejo nenhuma explicação completamente racional para isso. tente, é impossivel. a resposta mais comum é a de que devemos passar nossos genes para a frente, "viver para sempre". besteira. para que? não vivemos para sempre em nossos filhos. nossos genes vivem. porque amamos? tambem outra pergunta sem resposta completamente racional. o que nos leva a ter esse desejo do outro? essa vontade profunda e muitas vezes incontralavel de ter o outro? de muitas vezes não te-lo somente do ponto de vista da carne, mas te-lo como amigo, como alguem que estará lá? se não com a desculpa do "viver para sempre", não há motivo. o meu ponto, em todo esse meu longo discurso disconexo meu companheiro. é mostrá-lo o que é o ser humano. que a ilusão que criamos de nós mesmo, dizendo que somos diferentes e até mesmo "especiais" é pura bobagem. somos animais que souberam somar 2+2 e saber que não é cinco. não somos racionais por completo. somos guiados pelos nossos instintos e desejos. fui animal em minhas decisões. o ideal seria eu ter pensado direito, visto que a chances de toda minha ideia idia dar em merda eram grandes. mas não foi o que fiz. fui dominado pelo animal. fui dominado pelo que eu sou. e meu eu-verdadeiro me mostrou o que tinha, o poder que estava em minhas mão. o animal me guiou para o caminho da ganancia, do querer mais. e nós erramos. erramos completamente. se o meu minimo eu-racional houvesse por um pouco se mostrado, e tentado intervir, toda essa carnificina que voce está vendo ai fora não teria acontecido. mas meu eu-verdadeiro se mostrou. por isso não digo que o que eu fiz foi certo. não há desculpas para o que eu fiz. mas apenas quero mostra-lo que você não é tão diferente de mim. pode negar o tanto que quiser, mas o sangue em suas veias e o coração em seu peito provam que você é igual a mim. carne e osso. um animal. e que na minha posição você faria o mesmo. não adianta negar. não adianta querer dizer que nunca faria isso, porque você sabe muito bem que você o faria. no momento em que sua mente percebesse o poder em suas mãos o animal viria a tona. e você seria igual a mim. mas em uma carcaça diferente.'
silêncio.

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