domingo, 16 de maio de 2010

Amnesiac

Acordei. eu sentia como se eu literalmente não tivesse forças pra viver, o que é uma pessima sensação. esta tudo incrívelmente absurdamente claro e branco. não sei quem foi a péssima alma que teve a idéia de fazer um lugar que tende a ficar incrivelmente claro e pintá-lo todo de branco, isso não se combina. mas enfim, eu tinha coisas mais importantes com o que me importar no momento (haha, adoro essas situações de palavras iguais. caham.). primeiro, onde estou? bem, obviamente estou no lugar mais claro da terra, mas isso não exatamente me ajuda. próxima pergunta. o que estou fazendo aqui? bem, até onde eu vejo eu estava dormindo, e um sono bem profundo vale a pena acrescentar, sentia como se minhas pernas ou braços não houvesse sido mexidos a um longo longo tempo. bom, ainda não respondeu muita coisa, mas melhor que a resposta do lugar branco. bem, o que mais me perguntar? na minha situação de cegado pela luz e atordoado e fraco, não tem muito o que eu possa me perguntar com relação ao exterior. então vamos começar pelas perguntas básicas, fáceis de se responder. comecei a me perguntar, e pergunta após pergunta eu simplesmente não conseguia responder. comecei a entrar em pânico. onde eu moro? não sei. qual é o meu nome? não sei. de onde eu vim? não sei. ... . quem sou eu?
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não havia nenhum som. ninguém falava nada. não era um daqueles momentos em que se coloca uma boa musica e se dança comemorando a boa colheita. era um daqueles momentos em que, simplesmente, não havia o que se dizer. minha mãe dirigia o carro segundo o volante hora com uma rigidez incrível, outra quase que o soltando, o que honestamente me preocupava. se fosse pra eu morrer que não fosse num acidente horrendo de carro.
silencio.
olhei pra minha mãe e tentei decifrar a(s) emoção(ões) que se passavam em seu rosto. ela estava em um momento com uma cara de raiva como se fosse espancar o próximo coitado que passasse na frente dela, ao mesmo tempo que uma corrente de lágrimas escorria por seu rosto.
silêncio.
sim não era uma situação pra se bater um papo sobre futebol ou contar uma piada, mas eu não aguentava mais aquele silencio e eu sentia que se eu não falasse algo logo minha mãe abriria a porta e se jogaria do carro.
comecei a tentar abrir uma comunicação. 'mãe, eu...'. 'não filho! não... não...'. 'mas mãe, eu acho que a gente...'. 'filho... só... não...'. e ficou por isso mesmo. ela se controlava para manter o olho na estrada, mas toda vez que paravamos em um sinal ela abaixava a cabeça e chorava.
durante todo o percurso de volta pra casa do hospital eu não falei mais nada. achei que era pra melhor.
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pouco a pouco eu consegui me adaptar à luz absurda daquele lugar e as coisas passaram de borradas para levemente definidas. estava deitado de costas olhando pra cima. tentei levantar minha cabeça pra encontrar meu queixo no meu peito mas não tinha energia nem para isso. fiz o esforço de então olhar para os lados. a minha esquerda havia em cima de uma estante uma cesta com vários balões presos a uma cesta com varias coisas que não conseguia identificar já que minha vista continuava borrada. voltei minha cabeça pra cima e tentei fechar os olhos para tentar novamente refletir sobre o que diabos estava acontecendo. quem sou eu? não sei. quemsoueu? não sei. QUEM SOU EU?... não sei...
percebi então que estava com sede, muita sede. nesse momento ouvi passos ao meu lado. abri os olhos e virei minha cabeça. uma mulher com uma roupa rosa estava do meu lado mexendo em umas gavetas. juntei o máximo de forças que eu pude e falei 'água...'. minha voz saiu incrivelmente fraca, tanto que fiquei surpreso quando a mulher se virou e pareceu surpresa ao me ver. não entendi porque. pedi novamente agua. ela, agitada, começou a olhar as telas que só então percebi que estavam a toda a minha volta, olhou pra mim, me pediu para esperar e saiu correndo da sala. continuei parado, olhando pra cima. não estava conseguindo pensar, só tinha em mente o fato de que eu realmente estava com muita sede.
comecei a ouvir uma agitação e quando olhei um cara vestido completamente de branco estava entrando na sala acompanhado da mulher de rosa e de uma outra vestida com uma roupa normal jeans e camiseta.
o medico chegou ao meu lado e, assim como a mulher de rosa, começou a olhar as telas enquanto a mulher de rosa me dava agua. bebi alegre. era mais difícil engolir do que eu imaginava, mas deu certo. depois de tomar até a ultima gota a mulher de jeans veio rapidamente até mim e começou a me abraçar. o abraço era realmente forte. ela então me soltou e começou a me olhar e a falar como era um milagre eu estar vivo, que ela me amava, que ela nunca perdeu a fé, que ela sempre soube que tudo daria certo e me abraçou de novo. dessa vez mais forte. depois ela me soltou e me olhou nos olhos. eu só tive forças para perguntar 'quem é você?'.
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chegamos em casa. nenhuma palavra. saímos do carro. nenhuma palavra. subimos o elevador, entramos em casa. também nenhuma palavra. quando já dentro de casa, depois de fecharmos a porta, minha mãe pulou em cima de mim, me abraçou forte e começou a chorar. eu simplesmente a abracei de volta e ficamos assim por um longo tempo.
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'o que você disse?' a mulher me perguntou. eu juntei forças e disse outra vez 'quem é você?'. ela ficou pálida e continuou me encarando por alguns segundos quando percebi que ela estava chorando. ela ficou de pé rapidamente e saiu da sala. o medico saiu atrás dela enquanto a enfermeira continuava lendo uma prancheta. olhando para a direita havia um vidro que permitia ver o lado de fora da sala. vi a mulher e o medico. a mulher chorava de cara para uma parede com as mãos encolhidas no rosto enquanto o medico tentava acalma-la. como gastava muito da minha pouca energia ficar acordado vendo essa situação toda, simplesmente ignorei tudo e voltei a dormir
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eu estava tão preocupado quando ela, é claro, mas eu tentava manter a calma, sempre me considerei uma pessoa otimista que tenta manter o bom astral na situações mais adversas. depois de um bom tempo abraçado com minha mãe, guiei-a até o sofá onde sentamos um ao lado do outro. tentei conforta-la falando que ia dar tudo certo e ela me indagou 'como você pode ser tão otimista numa situação dessas?!'. 'eu simplesmente sei que ficar sofrendo não resolve nada' eu respondi. 'mas filho....' ela respondeu 'você ouviu o que o doutor disse! como você consegue ficar... feliz?!'. respirei fundo e comecei minha resposta 'eu não estou feliz mãe. ninguém em sã consciência ficaria feliz numa hora dessas. eu apenas não estou triste.'. 'filho, o médico disse que você pode muito bem daqui a duas semanas ter um derrame e entrar num coma ou ,pior ainda, morrer, e você não fica triste?!'. 'honestamente mãe. eu não fico. porque eu não tenho porque ficar triste. eu aproveitei bem a minha vida. não me arrependo de nada que fiz. aproveitei o que tive para aproveitar'
tentei um sorriso otimista, mas minha mãe simplesmente me abraçou novamente e voltou a chorar.
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Ta tarde, depois eu dou um jeito de terminar. boa noite.


Iago Schhütte - feels like spinning plates

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