quarta-feira, 19 de maio de 2010

Life sucks, and then you die - Parte I

Favor ler o texto anterior antes de ler esse.

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mais um dia. mas um maldito dia. não que eu ache que a vida é uma merda, realmente não, mas eu digo que ela é um saco. como diria The Fools 'Life Sucks, And Then You Die'. mas eu não tenho nenhum desejo suicida, acho que terminar a propria vida é uma atitude muito, para não dizer emo, de frufru. logo, não querendo ser mais um dos cortadores de pulso, eu vivo de acordo com a musica. life sucks and then you die. essa eu considero uma bela frase. uma verdade até certo ponto. todo dia minha rotina é a mesma. todo dia durmo no mesmo horário, acordo no mesmo horário, me arrumo da mesma forma, vou para o colégio da mesma forma, passo o dia da mesma forma e vou dormir da mesma forma, no mesmo horário. confesso que a maior variação que ocorre no meu dia-a-dia é a mudança de horários da aula. que animador.
honestamente eu achava que as coisas iam mudar. nunca fui de ter muitos amigos, não me dou bem com pessoas, e honestamente não me importo. mas eu tinha esperança, sabe? eu achava que depois que a escola acabasse e eu finalmente fosse pra universidade o mundo seria um lugar melhor, e eu marquei a entrada na universidade como o momento de mudança da minha vida. com tudo planejado, estudei, estudei como um puto (não que eu ache que putos(as) estudem muito, é apenas uma expressão). no dia, tudo pronto, preparado, alimentado, estava pronto para fazer a prova.
uma das coisas que eu mais considero que foi uma falta de azar foi ele ser da minha sala. aquele menino loiro desgraçado que tem um serio problema de superioridade. não há um motivo explicito, como eu rapidamente percebi, ele apenas criou o objetivo na vida de ser o cara mais filho da puta possível. sempre tentei dar o mínimo de atenção à ele, talvez assim ele fosse embora, mas não, ele tem que testar limites, tem que ver até onde eu vou. filho da puta.
no dia da prova entrei na sala, pronto para fazer aquela prova e me livrar de tudo, partir para uma nova vida, mas, assim como diz a musica, life sucks. ele era da minha sala. ELE! no momento em que eu entrei na sala eu senti que ele percebeu minha presença. quase como um leão farejando sua presa, ele lentamente se virou em minha direção, e no momento que nossos olhares se encontraram ele deu um sorriso. um sorriso de um leão prestes a se alimentar.
eu empalideci na hora. como era possível?! o que eu fiz de ruim na minha vida pra eu merecer algo assim? OQUE? ele veio devagar, sem pressa, sabendo que eu não ia a lugar nenhum. fez questão de ficar incrívelmente perto de mim e olhar pra baixo (maldita genética). senti seu bafo nauseante enquanto ele falava. nem cheguei a prestar atenção no que ele falava. provavelmente nada do que ele estava falando iria melhorar em nada quem eu sou ou porque eu estou aqui, mas, na precaução resolvi prestar atenção no que ele falava. olhei pra cima, e, para minha total e completa surpresa, ele sorria. não o sorriso de leão, um sorriso... humano?! ele perguntava como eu estava, se eu estava pronto pra prova. dei apenas respostas monossilábicas. no final ele apenas sorriu novamente e me deu uma abraço. UM ABRAÇO! eu não espero que você acredite, eu pessoalmente não acreditei. mas então ele me desejou boa prova e foi para seu lugar que era do lado do meu. ainda abismado fui para meu lugar e me sentei. acabou que o dia havia começado melhor do que eu imaginava. 'quem sabe hoje realmente marca um dia de mudança na minha vida' pensei.
o fiscal então entregou as provas. recebi a minha otimista, havia estudado como nunca, então estava bem confiante. comecei a prova, a maioria das questões era bastante fácil e eu respondi rapidamente, já na metade da prova começou a parte de exatas, que era a parte que valia um maior peso pra meu curso, e a mais importante. 'ok' pensei 'vamos lá'. fui então tentar pegar minha calculadora no meu bolso direito. não estava lá. 'talvez o esquerdo?'. nada. 'caralho, cadê minha calculadora?!' pensei. já em desespero, comecei a procurar em todos os cantos. em baixo da mesa, da cadeira, nos bolsos da calça. nada. mas eu jurava que eu estava com ela. foi quando ouvi um 'pss' vindo do meu lado, e lá estava ele. o menino loiro balançando minha calculadora e olhando para mim com um sorriso. agora não mais o sorriso humano, o leão havia voltado, e dessa vez ele já estava com o sangue nos dentes.
eu fiquei completamente sem reação, já que basicamente eu literalmente não tinha o que fazer. não podia chamar o fiscal porque ele não acreditaria e material não pode ser emprestado. não podia saltar em cima dele porque não daria em nada, e eu levaria um boa surra. olhei para ele com um olhar de morte, um olhar que eu nem sabia que era capaz de fazer. o olhar de que você não deseja só a morte da pessoa, você deseja o sofrimento eterno.
e ele se divertia como sempre. olhava pra mim se contendo para não rir da minha cara. quando escapou um sorrisinho ele se conteve e voltou a prestar atenção na prova. fiquei encarando-o por uns bons 15 minutos. o fiscal então começou a estranhar e voltei minha atenção para a prova. cada calculo mais difícil que o outro. números com 6 casas decimais me encaravam quase que me desafiando. 'como diabos eu vou fazer isso sem calculadora PORRA?!!' pensei. tentei respirar fundo, contar até dez.
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.
o relógio ia passando enquanto eu me matava para fazer cada questão boba. a cada batida do relógio eu ficava mais desesperado.
o fiscal então anunciou que faltavam apenas 15 minutos e que quem havia terminado podia sair. 'como assim 15 minutos?! não.' pensei em desespero 'eu ainda tenho quase 1/4 da prova pra fazer, não dá tempo!'. já que não dava, fui tentar chutar todas as questões, estava começando a pensar quando lembrei que, poxa vida, ainda não havia passado as respostas pro cartão.
comecei a suar frio e a tremer. 'e agora? o que eu faço?!'. e, como era de se esperar, Ele resolveu por a cereja no bolo.
enquanto o fiscal se distraia recebendo as provas, o menino loiro veio do meio lado e cochichou no meu ouvido 'acho que você vai precisar disso', colocou a calculadora gentilmente em cima da minha mesa e saiu me dando um tapinha nas costas.
a raiva me consumiu, joguei minha mesa para o lado e saltei nas costas dele. com a vantagem da surpresa consegui acertá-lo umas boas vezes antes dele tomar o jeito. ai eu tava fudido. ele me segurou e me jogou na parede me dando um soco assustadoramente forte na minha boca do estômago. provavelmente eu só sai inteiro daquela sala porque o fiscal rapidamente se pôs no meio da briga e nos levou para uma outra sala.
por culpa do soco eu não conseguia respirar direito. na sala para onde fomos levados, nos mandaram sentar de um lado de uma mesa. eu ainda tremia de raiva quando um homem de terno entrou na sala e se sentou na nossa frente. ele explicou que, por causa de nossa "brincadeirinha" nossas provas seriam anuladas. eu não me importei, eu não entraria de qualquer jeito, mas o menino loiro se importou, até bastante, e começou a gritar com o homem engravatado. falava que era um absurdo, que a culpa não era dele, que eu havia começado tudo e mimimi. quando ele começou a mostrar sinais de agressividade, o homem de terno chamou um segurança que nos arrastou para fora do colégio onde estávamos fazendo a prova.
eu olhei para ele com um sorriso de felicidade, afinal ele havia me feito perder a prova, e eu havia feito ele perder a dele. ele se virou para mim. eu vi a cara de raiva dele. ele viu meu sorriso. eu vi o punho dele na minha cara.

acho que nunca na minha vida eu apanhei tanto. nem tenho muitas memórias da "briga" em si, apenas lembro de acordar no hospital. minha perna estava engessada, minha cabeça enfaixada e meu corpo inteiro roxo. senti algo estranho no meu rosto e quando toquei percebi que havia um ponto enorme fechando uma cicatriz que pegava boa parte da minha maça do rosto. cada movimento doía.
o medico entrou e olhou minha ficha, depois olhou para mim. 'pegaram pesado em você, não meu filho?'. odeio que me chamem de "meu filho". respondi com uma pergunta 'o que houve com ele?'. 'ele quem?'. 'o cara que "pegou pesado em mim"?'. 'chamaram a policia pouco depois que a comoção começou, conseguiram parar ele a tempo de você ter seqüelas mais sérias'. 'ele onde ele está agora'. 'eu não sei direito, ouvi uns policiais comentando que ele havia pagado a fiança, mas não sei se é isso mesmo'. fiquei em silencio. o que havia para se dizer?. reclamar que ele conseguiu escapar?. isso eu sabia que ia acontecer. então não fiz nada. o medico percebeu que eu não tinha nada mais a falar e desculpou sua saída falando alguma baboseira que tinha que ajudar uma mãe que o filho tinha perdido a memória ou algo assim. continuei não falando nada.
meus pais nunca se importaram muito com a minha situação, tanto fisica quanto emocional. eles tinha a idéia de que a escola que iria me criar, então enquanto eles pagassem-na, eu estava ótimo. não me impressionei ao chegar em casa, meu pai me ver como eu estava, e perguntar, apenas por protocolo, o que havia acontecido comigo. disse a desculpa mais clichê possível tentando ver se ele se importava um pouco dizendo que havia "caido das escadas". ele apenas me disse para tomar mais cuidado e voltou a ler o jornal. típico pai.
durante o resto das ferias eu fiquei basicamente em silencio. apenas dizia frases protocolares pro meu pai/mãe como bom dia e afins.
perto do final das ferias, depois de um longo banho me olhei no espelho. minha perna ja estava melhor e funcionava tão bem quanto antes, meus hematomas já estavam quase todos ausentes. eu já estava, pode se dizer, perfeito. se não por uma coisa. a cicatriz. ela me encarava toda vez que eu me olhava no espelho. um lembrete no mínimo. todo dia comecei a então me olhar no espelho e me lembrar.
mas um dia eu comecei a perceber o que estava acontecendo comigo, eu estava me tornando obcecado, ficando louco com a idéia de vingança, e isso não estava dando certo. resolvi então que, mesmo eu não tendo passado para a universidade, eu iria começar a mudar minha vida. arrumei meu cabelo, comprei roupas novas, me arrumei completamente para o primeiro dia de aula do cursinho.
ônibus nunca me deixam feliz. eles são no geral sujos e lotados, mas naquele dia, com o otimismo vindo de todos meus poros, nem isso me irritava. esse seria um novo dia. o primeiro dia de vida do novo eu.
sai do ônibus desejando bom dia para a velhinha mau humorada do meu lado e andei em direção ao cursinho. cheguei na sala, escolhi um bom lugar e me sentei, pronto para começar um novo capitulo em minha história.
como eu havia chegado bastante cedo, comecei a ler um livro. nunca fui de ler livros, mas o eu 2.0 achava-os o máximo, mesmo só tendo livro os livros imbecis da escola. perto da pagina 20, senti uma mão no meu ombro. nem precisei me virar para sentir aquele cheiro. o cheiro do leão. e lá estava ele, o menino loiro olhando para mim com um sorriso obviamente falso. suspeitei que ele tramava alguma coisa, porque mais ele estaria sorrindo assim? foi quando olhei pro lado e vi ela.
nunca me apaixonei, sempre achei isso uma coisa de filmes de menininha. tentei sempre consolidar em minha mente a idéia de que algum dia eu iria me dividir por mitose e surgiria um filho meu. mas aquele momento me provou o contrario.
era provavelmente o ser mais lindo da face da terra. cabelos lindos, pele perfeita, olhos azuis. enfim, a mulher ideal.
amor a primeira vista? não sei, mas ela definitivamente tomou minha atenção.
o menino do cabelo loiro começou a forçar comigo da mesma maneira que forçou no dia da prova. mas eu não fiquei irritando, comecei a babar e tentei arrancar a garganta dele no dente. não. eu só conseguia olhar para ela. ele percebeu e a trouxe para perto e nos apresentou. me movi muito mecanicamente enquanto nos aproximávamos para dar o tradicional beijinho de cumprimento e senti provavelmente o cheiro que nunca vou esquecer. ele então se despediu e começou a ir embora com ela. fiquei encarando-a enquanto os dois se afastavam e ele percebeu. avisou para ela que ia falar comigo "rapidão" e já voltava. ele veio então bem perto de mim e da mesma maneira que no dia da prova cochichou em meu ouvido 'bonita ela né?'. me limitei a simplesmente concordar com a cabeça. 'então, ao menos pense em chegar perto dela, só pense, que eu vou te dar muitas dessas cicatrizes ai desse seu rostinho' e me deu um tapinha dolorido na minha cicatriz, se despediu com um sorriso e voltou para ela.
fiquei paralisado enquanto eles iam para seus lugares.
não consegui prestar atenção em nenhuma aula no resto do dia. eu apenas fiquei me perguntando porque. porque, justamente quando eu estou pronto para fazer a mudança na minha vida ISSO acontece?! PORQUE?! eu não entendo. não entendo mesmo.
no final da aula levantei devagar, todo mundo ja havia saido da sala. fui, sem pressa em direção ao portão de saída, subi as escadas e dei de cara com os dois. eles apenas conversavam. ele percebeu que eu os encarava e começou a se pegar com ela. mas não se pegar namoradinhos de 12 anos. não. começaram a se pegar como animais. ele não se importava o quão publico era o lugar onde eles estavam, mas se dava ao trabalho de tentar tocar ela por completo. e ela deixava.
fiquei olhando essa cena. quando ele percebeu que já tinha feito deu ponto, eles se separaram do corpo único que haviam formado e foram em direção ao carro de filhinho de papai dele. ele se virou e se limitou a dar uma piscadela para mim enquanto colocava a mão na bunda dela.
eu não tinha palavras.
eu não tinha pensamentos.
decidi não pegar o ônibus para casa, não aquela coisa suja e nojenta, fui andando.
o caminho era gigantesco, eu sabia, mas não me importava.
fui quieto, sem nenhum pensamento na minha mente. esvaziei-a por completo com medo que se eu realmente fosse pensar no que havia acabado de acontecer algo daria muito errado. então assim eu fui. no silencio, no vazio e na solidão.
algo tomou minha atenção, barulho de sirenes de policia vinham de todas as direções e supus que algo estivesse acontecendo. olhei para os lados e não vi nada, quando me virei um homem correndo esbarrou forte comigo. fui jogado à distancia me ralando pouco. do lugar onde eu estava eu pude ver toda a comoção que acontecia. o homem estava caido no chão com um olhar vazio como se procurando algo dentro de si mesmo. a policia apareceu gritando e apontando armas para ele falando para ele soltar a que ele (assim como eu fui perceber só naquele momento) estava segurando. o homem parecia perdido (ou como se tivesse perdido algo), e, para minha surpresa e espanto, ele se limitou a simplesmente colocar a arma na boca dele e atirar.
sangue voou para todo o lado, eu fiquei imóvel olhando toda a cena acontecer. 'o que diabos acabou de acontecer?!' me perguntei. 'apenas a ordem natural das coisas' uma voz desconhecida me respondeu. isso me pegou de surpresa. havia alguém perto de mim? olhei em todas as direções. nada. 'levante e saia daí' disse a voz. num primeiro momento eu fiquei aterrorizado ao perceber que a voz vinha da minha cabeça, mas ela me acalmou. não foi difícil. ela era tão bonita, tão macia, tão...


perfeita.



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Iago Schütte

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