sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Deeply Disturbed

tudo começou a um bom tempo atrás, não sei se era exatamente essa data mais acho bom começar uma historia dessa maneira
era uma tarde escaldante do dia 30 de Junho, eu era relativamente jovem, deveria ter algo como 20 anos apenas. eu estava simplesmente andando por uma rua movimentada da cidade, a caminho de comprar alguma coisa pra comer, ja que meu padrasto, quase que permanentemente bêbado, esquecera de comprar comida. chegando na loja, comprei um misto e um suco de laranja, meu lanche usual, e comi, imerso em meus pensamentos. na hora de pagar, joguei uma nota amassada pro atendente, ele me deu o troco de mau gosto e estava me virando para ir embora quando percebi uma gritaria na rua. aparentemente havia um homem louco correndo da policia, quando me pus para fora da loja para tentar ver o que acontecia, o fugitivo esbarrou em mim. ele corria a uma velocidade tanta que cai direto no chão me ralando completamente. o louco começou a gritar que algo havia sumido. em meio a gritos sem sentido, ele começou a apontar a sua arma para as pessoas a volta. vendo o perigo os policiais imediatamente dispararam. o louco caiu sem vida no asfalto. e naquele momento, como em todo crime, uma roda de pessoas se formou em volta do louco. eu, já machucado, achei que não valia a pena me meter mais no assunto e fui embora.
pouco longe de lá eu chutei algo sem querer. quando olhei mais de perto vi que era uma carteira. curioso, peguei-a e comecei a examina-la. tinha tudo la dentro, de recibos inúteis até uma identidade. o nome da pessoa não é importante, o importante foi o momento em que, quase desistindo da carteira e jogando-a no chão, eu resolvi ver quanto de dinheiro tinha nela.
em raros momentos da minha vida eu fiquei atonito, sem me mover.essa foi uma delas. não vou dizer valores, mas digamos que era o suficiente para comprar um pequeno pais africano.
nesse momento comecei a entrar em um dilema, eu deveria procurar a pessoa da identidade e devolver-lhe a carteira ou ficar com o dinheiro para mim? eu não precisava realmente de dinheiro, meu pai podia ser um bebado inconsequente, mas o trabalho dele era o suficiente para me sustentar e pagar a escola, o que na minha opinião já era mais do que o suficiente e por mais que fosse bastante dinheiro, eu não conseguiria viver com a culpa de ter roubado algo assim. logo então, me decidi a procurar a quem pertencia a carteira. quando comecei a dar os primeiros passos da minha busca foi quando aconteceu. de um lugar distante, não sabia dizer de onde, veio uma voz. a voz era clara e cristalina, meio aveludada, o tipo de voz que voce poderia ouvir falando até a surdez. confesso que ela me tomou de surpresa. de inicio olhei em volta, imaginando de onde poderia ter vindo essa voz. comecei a achar que era uma impressão minha, quando derrepente ela apareceu de novo, me assustando mais um vez.
a voz começou então a falar, era uma sensação estranha ouvir uma voz sem dono, mas a voz era de uma beleza tão impressionante que me deixei levar por suas palavras. a voz me fez ver a verdade. porque eu deveria devolver aquele dinheiro? aquela pessoa não deveria saber o que era viver numa casa com um homem constantemente alterado. eu merecia aquele agrado. a voz tinha toda a razão. desisti então da minha idéia de devolver o dinheiro. peguei a carteira do bolso, tirei dela o que realmente importava, peguei o resto e joguei no lixo.

essa foi a primeira vez que ouvi a voz.

depois dessa experiência, fiquei algumas semanas sem ouvir a voz. mas o mais impressionante é que eu sentia falta dela. ela era tão perfeita, tão calmante, tão bela, que ficar longe dela por muito tempo me aguniava profundamente. depois de mais uma semana sem minha perfeita, comecei a me acostumar com a falta dela. quando ela ja tinha quase que completamente sumido de minha mente, ocorreu algo.
esse algo aconteceu num dia normal na universidade. estava já há um bom tempo no meu curso de medicina. eu honestamente não suporto medicina. sangue me deixa enjoado e pessoas doentes me irritam. mas meu pai não me deu muita opção. quando eu tentei debater sobre minha opção de vida, ele me mostrou que o cinto dele pode ser algo bem dolorido.
mas de qualquer forma, nesse dia eu estava a caminho da aula de histologia 1 quando um dos meninos mais veteranos me abordou. era um cara alto, devia chegar a uns 1,90m. forte como um touro, tinha daqueles cabelinhos toscos, curtos, mas com tanto gel que já se tornara uma coisa unica. ele estava escoltado por outros dois. eles não eram tão grandes, ou talvez fossem. qualquer coisa perto daquele brutamontes parece pequena.
o brutamontes então começou a me encher o saco. 'cabelo longo é coisa de menininha' ele disse. eu resolvi ignorar, honestamente, pessoas assim eu quero mais é que se fodam. tentei sair pelo lado quando ele entrou no meu caminho. 'aonde voce pensa que vai?' ele perguntou, 'para aula' eu respondi, tentando parecer o mais cordial possível. quando tentei dar mais um passo, ele me empurrou. fui jogado para mais longe do que eu esperava, na queda meus livros sairam voando, e meu notebook, que eu havia comprado com o dinheiro da carteira, quebrou-se. naquele momento eu senti um turbilhão de emoções. raiva. tristeza. angustia. olhei para cima, apenas para ver o brutamontes e seus amigos rindo da minha queda. olhei para os lado e percebi que isso havia chamado a atenção dos transeuntes, que agora paravam para presenciar a movimentação. 'o que foi vovózinha?' me tentou o brutamontes 'quebrou o quadril?' e seguiu a dar mais risadas. as emoções então voltaram. todas juntas agora, mais fortes. a tristeza. a angustia... a raiva.... foi quando me veio a paz. todas aquelas emoções sumiram. me senti leve. a voz estava de volta. ela, com toda sua perfeição, me acalmou, me fez organizar os pensamentos. a voz me fazia me sentir bem. não queria que ela fosse embora de jeito nenhum, faria o que fosse necessário para que ela continuasse por mais tempo. foi então que a voz começou a conversar comigo. ela me mostrou que eu não deveria aguentar esse tipo de coisa, não alguem como eu. 'você é melhor do que isso' me disse a voz, com toda sua beleza, enquanto me indicava, com desgosto, o brutamontes. a voz estava certa, não tinha que aguentar isso. esse imbecil tinha que ir embora. de qualquer jeito.
do próximo momento eu não me recordo muito bem. apenas me recordo de uma sequencia de imagens desconexas e da paz interior que eu sentia com a voz na minha cabeça. mas minha felicidade sumiu subitamente quando fui segurado por dois homens bem fortes. embaixo de mim jazia o brutamontes. estava completamente coberto de sangue. varios dentes dele haviam caido no chão e ele parecia estar inconsciente. olhei para os meus punhos. ambos cortados e cobertos de sangue. 'pelo menos agora ele vai ficar calado' me disse a voz. comecei a rir do comentario. enquanto os dois homens fortes me puxavam para fora da faculdade para dentro de um carro, eu não resisti. eu apenas gargalhava do ótimo comentário da voz. haha.

a prisão não foi muito um problema para mim. com todo o dinheiro da carteira eu consegui pagar minha fiança facilmente. os próximos dias foram de puro êxtase. a presença da voz ainda deixara resquícios na minha mente, me fazendo me sentir mais leve. fui para a faculdade no dia seguinte. foi provavelmente um dos melhores dias da minha vda. as pessoas não mais ignoravam minha presença, ela agora reparavam em mim, tinham medo de mim. a sensação, devo dizer, era otima.
quase entrando dentro da sala para minha primeira aula, um dos seguranças da faculdade me abordou e me conduziu até uma sala da diretoria. o reitor em pessoa me atendeu, era uma honra. ele com toda sua elegância e pomposidade, com seu terno provavelmente comprado com dinheiro desviado das verbas, se aproximou de mim com cautela. ele começou a falar alguma coisa sobre honra, dignidade do homem e todo aquele bla bla bla. eu até tentei prestar atenção, mas a tentativa de combover no cabelo branco oleoso dele me distraia. só consegui voltar a me concentrar no final, que era a unica parte importante, em que ele finalmente me disse que eu teria que sair da faculdade.
acho que a minha resposta com um 'sem problemas' imediato o pegou de surpresa. acho que ele esperava algo como uma grande discussão, com presença de pais, encontros com o juiz, mas não. eu simplesmente disse que não havia problemas e fui embora. e realmente não havia. não me importava mais com aquela faculdade e nem nada mais. minha unica paixão agora era a voz.

voltei para casa naquele dia mais tarde. havia passado a tarde andando pela cidade, indo a lugares onde eu nunca antes havia tido coragem de ir. quando cheguei em casa meu padrasto estava ja desmaiado no sofá com a tv ligada no mudo e uma garrafa vazia de cachaça na mão. fui então na cozinha e coloquei em cima da mesa as compras que havia feito no supermercado no caminho de casa. a compra era basicamente um estoque de comida e agua para durar alguns dias. peguei tudo e levei para o meu quarto, fechei a porta e tranquei-a.
não tenho muita noção de quanto tempo eu fiquei naquele quarto. não fiz muita coisa nele também na verdade. me limitei a escrever sobre a voz e a dormir sonhando com ela. ela era basicamente a unica coisa que se passava na minha mente. era bom ter um lugar só meu para passar o tempo. não precisava sair do quarto, ja que o meu era o único com uma suite, e a minha comida não envelhecia rápido, então não estava com muita pressa de sair.
acho que em alguns momentos ouvi o meu padrasto bater na porta, mas eu honestamente o ignorei. tudo estava bem até um dia em que ele não estava batendo de leve na porta, ele estava realmente batendo com tudo, a socos e chutes, consegui ignorar até o momento que a porta desabou. ele entrou gritando, não entendia uma unica palavra que ele dizia, mas a carta da faculdade dizendo que eu havia sido expulso dela, e o porque, me deu uma boa dica. chegou um momento que eu cansei e simplesmente me voltei a meus manuscritos. nesse momento meu padrasto se irritou, tirou o cinto e deu a dica de que iria começar a rotineira sessão de pancadaria. nesse momento o tempo parou, e eu tive mais uma das minhas conversas com a voz, ela me disse que se eu quisesse realmente ser alguem livre e aproveitar o meu verdadeiro potencial eu teria que me livrar do meu padrasto primeiro. nesse momento eu entrei novamente no estado de transe que havia passada na faculdade. voltei a mim mesmo com um barulho alto. era o som da bala que havia acabado de atirar no meu padrasto.
olhei a arma, era o revolver que ele mantinha não tão bem guardado em uma gaveta do quarto. depois de ver o que eu havia feito eu me senti realmente feliz. a voz me recompensara com uma dose extra de felicidade. não aguentei. aquele apartamento era pequeno demais para tudo isso. sai então as ruas. cantava e dançava com a voz em minha cabeça quando comecei a ouvir um barulho de sirene. a voz, então, me mandou correr. em meio a minha corrida desordenada esbarrei com um pobre transeunte e cai no chão. ele se desculpou, mas quando viu a arma saiu correndo. 'haha, engraçado esse cara não?' comentei com a voz. mas não houve resposta. a felicidade havia sumido, a voz, que antes me agraciava com a sua perfeição não estava mais la. desesperado com a minha perda, olhei para os lado e me vi cercado por varios carros policiais. todos apontando suas armas pra mim. nesse momento me vieram varios pensamentos ao mesmo tempo. percebi então que agora não havia saida. a voz não voltaria. nada seria mais o mesmo. não aguentaria mais viver sem a voz. não dava. só havia então uma opção.

em meio aos gritos dos policiais, lentamente, coloquei a arma na minha boca e puxei o gatilho.



Iago Schütte - wtf?

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