quarta-feira, 14 de abril de 2010

death and all his friends

num súbito baque acordei. pelo susto de simplesmente ter acordado depois de tanto tempo inconsciente comecei a tentar olhar em todas as direções ao mesmo tempo, o que, obviamente, não deu certo. e um dos principais motivos por não ter dado certo foi porque a luminosidade era tão absurda que eu senti minha retina pedindo desculpa por qualquer coisa que ela pudesse ter feito. gentilmente acalmei-a, falando que ela era uma boa retina e dando-a um biscoito imaginário. minha íris, querendo também um agrado, fez a gentileza de, talvez devagar demais, se contrair. lentamente eu consegui ver tudo certo. o lugar em que eu estava era relativamente chato. imagine uma grande sala de espera de aeroporto, onde não há absolutamente nada para se fazer, mas o barulho é tão grande que você não consegue ouvir sua musica. (para minha surpresa fui perceber que meu iPod que estava comigo agora a pouco havia sumido). pela janela não havia nada para se ver, só o forte clarão.

o lugar em si era absurdamente gigantesco, era tão grande mais tão grande, que... na falta de uma metáfora melhor... parecia um... que dava pra... esquece, era grande. era basicamente composto por cadeiras e mais cadeiras onde pessoas e mais pessoas estavam sentadas. algumas conversando, algumas tentando dormir, e outras simplesmente assustadas por algum motivo. não havia nenhum lugar disponível então resolvi dar uma volta. por toda volta haviam lojas de duty free fechadas com uma placa na frente dizendo 'volto em 5 minutos', mas pela quantidade de poeira nas portas, suponho que o vendedor tenha se perdido entre as fileiras 23² e 24².

por todo lado haviam vários daqueles telões que mostram os vôos chegando. interessantemente, haviam uns azuis e uns vermelhos. sem aparecer nada. fiquei encarando os telões esperando algo acontecer, mas em como toda boa situações cômica, nada aconteceu. simplesmente me virei, apenas para perceber que varias outras pessoas estavam fazendo o mesmo. simplesmente paradas, encarando a tela. em algumas dava para perceber que lagrimas escorrendo dos olhos de tanto tempo que eles estavam abertos. resolvi perguntar para uma simpática senhora o que diabos era aquele lugar. com toda a educação que minha mãe muito bem me ensinou, dei um leve toque no ombro da senhora. na ausência de uma reação, fiz o mesmo novamente. nada. resolvi chamá-la 'com licença senhora.'. nada. 'oi?' falei enquanto novamente dava um toque no ombro dela. nada. ‘huh...’ pensei. tentei mas uma vez, com um toque levemente mais forte 'comlicençasenhoraporacasoasenhorasaberiaoqueéesselugar?'. para minha surpresa, a senhora se virou à uma velocidade impressionante para alguém que, na minha noção, deveria ter algo perto de 160 anos de idade (mas eu posso estar errado.). 'o senhor não esta vendo que eu estou vendo o telão?!'. eu percebi de leve ela falando com a boca 'porra', mas eu nunca fui bom em leitura labial, então relevei.

assustado com a súbita reação da companheira, desisti e fui dar mais uma volta. encontrei outro grupo de pessoas reunidas em volta de um telão, curiosamente elas haviam arranjado cadeiras em algum canto e estavam todas quase que roendo as unhas de expectativas. me reuni perto delas e, não sei porque, resolvi ficar vendo o telão. para futuras referencias direi que fui ver o telão por peer pressure.

aparentemente me absorvi na observação do aparentemente inútil telão, porque senti que as coisas haviam mudado um pouco. a velha tinha sumido por sinal. de qualquer forma, o meu grupo de pessoas as coisas não havia mudado. nesse meu breve momento de consciência resolvi dar mas uma volta, quando derrepente o telão azul começou a apitar. todos a minha volta começaram a tremer de expectativa. por alguma razão me senti empolgado também e resolvi gritar com empolgação. por mais que meu grito tenha saído surpreendentemente desafinado, ninguém pareceu notar. o foco das atenções no momento era o telão. depois de uma serie de apitos irritantes, o telão mostrou um nome em azul. no meio do conglomerado de pessoas um homem começou a comemorar e a pular. era um ser meio estranho, provavelmente em seus 60 anos, praticamente careca mas com pequenos fios desconexos na cabeça. pele enrugada e todas as características básicas de uma pessoa velha. por sinal, a maioria das pessoas lá eram velhos, poucos tinha menos de 50 anos. mas aquele velhinho tinha uma disposição impressionante, pulava, comemorava, dançava, beijou uma outra velha que rapidamente o deu um tapa na cara, mas em meio a seu surto de felicidade ele nem reparou.

ele então começou a andar em direção a uma porta azul que por algum motivo não havia reparado antes. na porta havia um homem vestido com um elegante terno branco, óculos escuros, e com um cabelo curto arrepiado. o velho chegou para o homem e disse algo. o homem apenas confirmou com a cabeça e a porta se abriu. uma luz absurdamente forte saiu da porta. quando eu consegui finalmente acalmar minha retina, a porta já havia fechado e todas as pessoas à minha volta haviam voltado ao estado de concentração. na falta do que fazer comecei a encara o telão novamente. e mais uma vez o tempo resolveu dar um pulo, e quando percebi já se haviam passado varias horas quando voltei à realidade com um barulho de órgão que parecia vir de lugar nenhum. todos começaram a quase que tremer de medo, perto dali uma velhinha desmaiou, mas todos estavam tão ocupados e preocupados com a musica que ninguém se deu ao trabalho, ou ao menos pensou, em segurar a velhinha.

na minha frente, o telão vermelho começou a piscar, e à cada flash a tensão aumentava e a musica aumentava, quando derrepende um nome surgiu na tela. no fundo da multidão escutei um grito de um homem.

quase como em uma cena de filme, a multidão foi se separando para dar visão a um homem interessante. devia ter algo em torno de 30 anos, completamente careca, e com um olhar relativamente inocente. começou a olhar em volta em desespero. do meu ponto de vista, pude ver de cada lado da multidão, dois homens vestidos de preto começavam a abrir caminho pelo povo em direção ao homem careca. antes que o careca pudesse ter qualquer reação os homens de preto saltaram da multidão e o agarraram, um em cada braço. o homem careca começou a se debater com toda força que tinha, e aparentemente era muita, era um dos caras com a aparência mais forte que eu já havia visto, mas os homens de preto nem pareciam sentir. foram em direção à uma porta vermelha e pararam na frente dela. falaram algo com o homem de terno preto na porta, que concordou e abriu a porta. não era possível ver nada por trás da porta, era um negro tão negro, que por um momento achei que minha retina tivesse resolvido dar umas ferias. tão rápido quando com o velho a porta se fechou, e assim como com o velho, quando me virei, todos haviam voltado ao estado de concentração.

assim também como depois do velho voltei minha atenção ao telão. da mesma forma que depois do velho, o tempo passou incrivelmente rápido. não como depois do velho, um apito começou a vir do telão azul. assim como antes do velho, as pessoas começaram um frenesi de expectativa. fiquei esperando o desfecho do apito, para o processo começar todo de novo quando, para minha surpresa, meu nome apareceu.

as pessoas à minha volta começaram a olhar em volta procurando o dono do nome e aparentemente estranhando a falta de uma reação. quando percebi que buscavam o dono do nome, timidamente levantei a mão. todos começaram então a me aplaudir. estranhei imediatamente, mas, para manter as aparências, comemorei também, imitando o velho (sem a parte do beijar a velha) e fui em direção à porta azul.

lá, o homem de terno branco me cumprimentou com um sorriso e me parabenizou. agradeci, assim como minha mãe me ensinou, e, delicadamente, perguntei o porque dele estar me congratulando. me dando um susto, o homem do terno branco começou a rir, muito alto por sinal. depois de um incomodante tempo de risadas, ele se recompôs e me perguntou se estava brincando, disse que não, ele me perguntou se eu estava falando serio, eu disse que sim. ele começou a rir de novo. esperei pacientemente o fim das risadas. ele então se virou para mim e perguntou se eu sabia aonde estava. eu disse que não. ele me perguntou se eu sabia como havia parado ali. eu disse que não. ele me perguntou se eu me lembro de algo antes de ter ido parar ali. contei que estava atrasado para uma prova, e estava atravessando a rua quando do nada apareci aqui. ele me perguntou se eu sabia o que havia acontecido na rua. eu disse que não. ele me pediu para olhar minhas roupas. só então fui perceber meu estado. minhas roupas estava completamente rasgadas, sujas, e não só meu iPod havia sumido, como minha mochila também. e meu casaco. perguntei para o gentil moço onde estava minha mochila e contei que se chegasse em casa sem a minha mochila minha mãe me matava. o homem falou que isso não importava. eu expliquei gentilmente ao companheiro que importava sim e que a minha mãe quando brava era perigosa. o homem começou a me explicar o porque que não importava, mas o interrompi para contar de uma vez que eu perdi meu celular e ela me privou de saídas por uma semana, e também expliquei como isso foi um absurdo e como interferiu em minha vida social. o cara começou a tentar explicar de novo qua... e sem contar que eu tava quase para conseguir conquistar uma menina que a meses eu estava afim, e isso ferrou tudo. o moço gentilmente me mandou calar a boca e calmamente me explicou, com perturbadores detalhes, a maneira com a qual ele me chutaria até a porta vermelha. lembrando da reação do homem careca, parei de falar e fui ouvir o cara de terno branco. ele começou me perguntando se a grande alternância presente naquele lugar entre azul e vermelho significava alguma coisa para mim. eu disse que não. ele me perguntou se a reação oposta entre as pessoas que iam para cada porta significava alguma coisa para mim. eu disse que não. ele me perguntou se eu tinha idéia de algo. neguei com a cabeça. ele respirou fundo, por um tempo mais longo do que eu julgaria normal para um ser humano e me olhou nos olhos. bem, na verdade eu não sei se ele me olhava nos olhos, visto que ele estava de óculos escuros, mas eu imagino que ele estivesse. ele me contou então que quando eu estava atravessando a rua, um ônibus me atingiu. não falei nada, ele continuou a me explicar que a batida foi bem forte. continuei não falando nada. ele me perguntou se, então, eu sabia que lugar era aquele e o que havia acontecido. silencio. ele então me explicou que eu havia morrido. 'sério?' perguntei. ele concordou. 'mesmo?'. idem. 'uau'. idem com a cabeça. perguntei para ele o que vinha agora. ele me explicou que, somando o que eu havia feito de bem na minha vida, dava maior que a soma de coisas ruins. agi como se houvesse entendido. ele fez um movimento como que me perguntando 'logo...?'. esperei que ele me explicasse o que vinha logo. 'logo, você vai pro céu' ele me disse. 'é mesmo?' perguntei. 'é' ele disse. 'massa...' eu falei. ele ia começar a mexer na tela de computador quando, apenas a mérito de curiosidade perguntei o que o céu tinha para me oferecer. ele, com uma lentidão na medida certa, levantou a cabeça da direção no monitor e novamente (acredito eu) me olhou nos olhos. 'o que?' ele me perguntou. 'não' eu disse 'é porque sempre falaram que esse céu era demais, que deixava o tal do inferno no chinelo, mais eu nunca soube o porque, então eu resolvi perguntar o que tem de tão bom nesse tal de céu afinal de contas'. consegui perceber a cara de supresa-raiva-decepção-confusão na cara dele, e devo citar que essa combinação ao mesmo tempo provoca um fenômeno interessante. ele começou a me explicar então o que era o céu: 'imagine tudo que tem de bom no mundo' ele disse 'tudo junto em um só lugar. isso é o céu'. 'mas,' eu perguntei 'o que é tudo de bom?'. 'como assim?'. 'ah, é porque isso é uma expressão tão vaga, meninas acham pôneis algo bom, eu não, logo o bom delas vai estar no meu bom?'. 'não, tudo de bom pra você vai estar lá'. 'tudo que eu considero bom agora?'. 'sim'. 'mas e se no futuro eu começar a achar algo bom? ai eu vou ficar sem ele porque ele não era bom no momento que eu cheguei?'. 'não'. 'sério?'. 'sim'. 'uau'. 'uhum'. 'legal esse céu, hein?'. 'é o melhor'. 'e o que eu faço agora?'. 'apenas passe por essa porta'. 'essa azul?'. 'sim'. 'tem como desligar a luz dela, é que...'. 'não'. ‘mesmo?'. 'não'. 'sabia que esse céu não podia ser tão bom assim' e comecei a andar em direção à porta. irritadamente o homem de terno branco apertou um botão na mesa e a porta se abriu. comecei a andar em direção à luz quando minha retina aparentemente pediu demissão por excesso de trabalho e tudo ficou preto.

--

acordei tremendo. minha retina aparentemente havia voltado porque consegui ver a luz forte. uma sombra se sobrepôs entre mim e a fonte de luz. essa sombra tinha um certo formato humanóide, usava uma mascara, uma toca, e um jaleco com uma plaquinha escrita Dr. blah blah blah, não lembro. comecei a ouvir um beep constante. novamente ouvia pessoas comemorando e por um momento achei que estava de volta à sala de espera de aeroporto quando senti minha mãe me abraçando e chorando. ela dizia o quanto estava feliz e que achava que ia me perder e etc. o doutor veio então me perguntar se eu sabia meu nome, e esses procedimentos médicos, e eu estava muito bem na verdade.


alguns dias depois minha mãe veio me contar como era algo impressionante como eu havia sobrevivido um tempo surpreendentemente longo basicamente morto e que por algum motivo eu havia demorado mais do que o normal para passar dessa pra melhor. ia começar a contar a historia para minha mãe quando ela veio e me abraçou e decidi que era melhor deixar para depois

--

na porta azul, o homem de terno branco olhava enquanto o garoto irritante ia, finalmente, em direção a porta quando derrepente ele sumiu. simples assim. o homem de branco ficou encarando surpreso a porta por um tempo. tirou os óculos, limpou-os com a manga do terno, colocou-os de volta e olhou outra vez. o garoto tinha realmente sumido. 'cada coisa que me acontece' pensou enquanto se virava para fechar a porta e atender uma alegre velhinha que vinha saltitando em sua direção.

segunda-feira, 22 de março de 2010

(Nice Dream)

Eu estava andando com um amigo meu, Ben, a caminho de uma livraria, estávamos conversando quando ele recebeu uma ligação, então ele me avisou que a namorada dele, Agnes, e um amigo, Eli, estavam vindo nos ver. achei interessante, finalmente iria conhecer a tal Agnes. Depois de um tempo ele me avisou que eles estavam vindo, quando olhei pra rua vi Agnes e Eli e fiquei surpreso, Agnes tinha 80 anos !1! Eca. Não queria comentar nada com Ben, não sei, talvez eles estejam realmente apaixonados. qual é o problema se ele tem 22 e ela tem... 80. Estava para me despedir deles quando do nada mísseis surgem do céu e caem numa parte da cidade mais ao longe. então pensei que talvez fosse uma boa a gente sair daqui. entramos no carro e começamos a dirigir para longe dos mísseis. mas quando menos esperávamos mais mísseis apareceram atras de nós, explosões para todos os lados. foi então que percebemos que não era nossa arquiinimiga suécia, e sim os aliens atacando! foi então que surgiu um missel da nossa frente, sem pensar, pulei para fora do carro e rolei em direção à floresta na beira da estrada. quando olho para os lados vejo Agnes e Eli. mas onde está o Ben? Ele não conseguiu sair a tempo.


Isso que eu sonhei ontem.



Iago Schütte

domingo, 14 de março de 2010

tele-porte

"O Sol de Kakrafoon crescia assustadoramente na tela, seu flamejante inferno branco de núcleos de hidrogênio em fusão crescendo a cada momento enquanto a nava se precipitava em sua direção, sem ligar para os socos de Zaphod sobre o painel. Arthur e Trillian estavam vom aquele mesmo olhar fixo de coelhos numa estrada à noite, quando acham que a melhor forma de lidar com os faróis que se aproximam é ficar olhando para eles imóvel.
Zaphod deu uma volta, com os olhos arregalados.
- Ford - disse -, quantas cápsulas de salvamento temos?
- Nenhuma - disse Ford.
- Você contou direito? - gritou Zaphod.
- Duas vezes - disse Ford
Ford empurrou Artur para o lado e debruçou-se sobre o painel de controle.
- Nenhuma dessas porcarias funciona? - disse, furioso.
- Todos desconectados.
- Destrua o piloto automático.
- Encontre-o antes. Nada faz sentido.
Houve um momento de silêncio seco.
Artur estava passeando pelo fundo da cabine. Parou de repente.
- Só por curiosidade - disse -, o que significa teleporte?
Parou por um outro momento.
lentamente todos se viraram em sua direção.
- Provavelmente esse é o momento errado de perguntar - disse Artur - É só que me lembro de ter ouvido vocês usarem essas palavras faz pouco tempo e só estou falando nisso porque...
- Onde - Disse Ford lentamente - está escrito teleporte?
- Bom, logo aqui, na verdade - Disse Artur indicando uma caixa escura de controle no fundo da cabine -, logo acima da palavra 'de emergência' e abaixo das palavras 'sistema de', e logo ao lado de um sinal que diz 'não funciona'.
No pandemônio que se seguiu instantaneamente, a unica ação que vale mencionar foi a de Ford se atirando através da cabine sobre a caixinha preta que Artur indicara e apertando repetidamente o pequeno botão preto que havia nela.
Um painel de dois metros quadrados abriu-se diante deles revelando um compartimento que parecia um banheiro com vários chuveiros que tinha encontrado uma nova vocação em sua vida como loja de equipamentos elétricos. Fios parcialmente desencapados caiam do teto, havia uma porção de componentes espalhados numa bagunça pelo chão e o painel de programação caia pendurado na cavidade da parede ende ele deveria ter sido instalado.
Um jovem contador do Disaster Area, visitando o estaleiro onde a nave estava sendo construída, perguntara ao mestre-de-obras por que diabos estavam instalando um teleporte extremamente caro numa nave que só tinha uma viagem importante a fazer, e sem tripulação. O mestre-de-obras explicara que o teleporte tinha sido instalado com 10% de desconto, e o contador explicara que isso era imaterial; o mestre-de-obras explicara que aquele era o mais refinado, mais poderoso e mais sofisticado teleporte que o dinheiro podia comprar; e o contador explicara que o dinheiro não queria comprá-lo; o mestre de obras explicara que, ainda assim, as pessoas teriam que entrar e sair da nave, e o contador explicara que a nave dispunha de uma porta perfeitamente utilizável; o mestre-de-obras explicara que o mestre de obras podia ir se danar, e o contador explicara ao mestre-de-obras que aquela coisa que estava indo rapidamente em sua direção era um punho fechado. Após todas essas explicações terem sido concluídas, os trabalhos no teleporte foram interrompidos e ele foi incluído discretamente sob o item 'despesas gerais', custando cinco vezes o preço original"

Douglas Adams


Iago Schütte - faz perfeito sentido

segunda-feira, 8 de março de 2010

Babel Fish

"O peixe-babel", disse O Guia do Mochileiro Das Galaxias "é pequeno, amarelo e semelhante a uma sanguessuga, e é provavelmente a criatura mais estranha em todo o Universo. Alimenta-se de energia mental, não daquele que o hospeda, mas das criaturas ao redor dele. Absorve todas as freqüências mentais inconscientes desta energia mental e se alimenta delas, e depois expele na mente de seu hospedeiro uma matriz telepática formada pela combinação das frequencias mentais conscientes com os impulsos nervosos captados dos centros cerebrais responsaveis pela fala do cérebro que os emitiu. Na prática, o efeito disso é o seguinte: se você introduz no ouvido um peixe-babel, você compreende imediatamente tudo o que lhe for dito em qualquer língua. Os padrões sonoros que você ouve decodificam a matriz de energia mental que o seu peixe-babel transmitiu para sua mente.
Ora, seria uma coincidência tão absurdamente improvável que um ser tão estonteantemente útil viesse a surgir por acaso, por meio da evolução das espécies, que alguns pensadores veem no peixe-babel a prova definitiva da inexistência de Deus.
O raciocínio é mais ou menos o seguinte: 'Recuso-me a provar que eu existo', diz Deus, 'pois a prova nega a fé, e sem fé não sou nada.'
Diz o homem: 'Mas o peixe-babel é uma tremenda bandeira, não é? Ele não poderia ter evoluído por acaso. Ele prova que você existe, e portanto, conforme o que você mesmo disse, você não existe. QED.'
E então Deus diz: 'Ih, não é que eu não tinha pensado nisso?' E imediatamente desaparece numa nuvenzinha de lógica
'Puxa, como foi fácil' diz o homem, e resolve aproveitar para provar que o preto é branco, mas é atropelado ao atravessar fora da faixa de pedestres"

Douglas Adams



Iago Schütte - Packt Like Sardines In A Crushed Tin Box

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Deeply Disturbed

tudo começou a um bom tempo atrás, não sei se era exatamente essa data mais acho bom começar uma historia dessa maneira
era uma tarde escaldante do dia 30 de Junho, eu era relativamente jovem, deveria ter algo como 20 anos apenas. eu estava simplesmente andando por uma rua movimentada da cidade, a caminho de comprar alguma coisa pra comer, ja que meu padrasto, quase que permanentemente bêbado, esquecera de comprar comida. chegando na loja, comprei um misto e um suco de laranja, meu lanche usual, e comi, imerso em meus pensamentos. na hora de pagar, joguei uma nota amassada pro atendente, ele me deu o troco de mau gosto e estava me virando para ir embora quando percebi uma gritaria na rua. aparentemente havia um homem louco correndo da policia, quando me pus para fora da loja para tentar ver o que acontecia, o fugitivo esbarrou em mim. ele corria a uma velocidade tanta que cai direto no chão me ralando completamente. o louco começou a gritar que algo havia sumido. em meio a gritos sem sentido, ele começou a apontar a sua arma para as pessoas a volta. vendo o perigo os policiais imediatamente dispararam. o louco caiu sem vida no asfalto. e naquele momento, como em todo crime, uma roda de pessoas se formou em volta do louco. eu, já machucado, achei que não valia a pena me meter mais no assunto e fui embora.
pouco longe de lá eu chutei algo sem querer. quando olhei mais de perto vi que era uma carteira. curioso, peguei-a e comecei a examina-la. tinha tudo la dentro, de recibos inúteis até uma identidade. o nome da pessoa não é importante, o importante foi o momento em que, quase desistindo da carteira e jogando-a no chão, eu resolvi ver quanto de dinheiro tinha nela.
em raros momentos da minha vida eu fiquei atonito, sem me mover.essa foi uma delas. não vou dizer valores, mas digamos que era o suficiente para comprar um pequeno pais africano.
nesse momento comecei a entrar em um dilema, eu deveria procurar a pessoa da identidade e devolver-lhe a carteira ou ficar com o dinheiro para mim? eu não precisava realmente de dinheiro, meu pai podia ser um bebado inconsequente, mas o trabalho dele era o suficiente para me sustentar e pagar a escola, o que na minha opinião já era mais do que o suficiente e por mais que fosse bastante dinheiro, eu não conseguiria viver com a culpa de ter roubado algo assim. logo então, me decidi a procurar a quem pertencia a carteira. quando comecei a dar os primeiros passos da minha busca foi quando aconteceu. de um lugar distante, não sabia dizer de onde, veio uma voz. a voz era clara e cristalina, meio aveludada, o tipo de voz que voce poderia ouvir falando até a surdez. confesso que ela me tomou de surpresa. de inicio olhei em volta, imaginando de onde poderia ter vindo essa voz. comecei a achar que era uma impressão minha, quando derrepente ela apareceu de novo, me assustando mais um vez.
a voz começou então a falar, era uma sensação estranha ouvir uma voz sem dono, mas a voz era de uma beleza tão impressionante que me deixei levar por suas palavras. a voz me fez ver a verdade. porque eu deveria devolver aquele dinheiro? aquela pessoa não deveria saber o que era viver numa casa com um homem constantemente alterado. eu merecia aquele agrado. a voz tinha toda a razão. desisti então da minha idéia de devolver o dinheiro. peguei a carteira do bolso, tirei dela o que realmente importava, peguei o resto e joguei no lixo.

essa foi a primeira vez que ouvi a voz.

depois dessa experiência, fiquei algumas semanas sem ouvir a voz. mas o mais impressionante é que eu sentia falta dela. ela era tão perfeita, tão calmante, tão bela, que ficar longe dela por muito tempo me aguniava profundamente. depois de mais uma semana sem minha perfeita, comecei a me acostumar com a falta dela. quando ela ja tinha quase que completamente sumido de minha mente, ocorreu algo.
esse algo aconteceu num dia normal na universidade. estava já há um bom tempo no meu curso de medicina. eu honestamente não suporto medicina. sangue me deixa enjoado e pessoas doentes me irritam. mas meu pai não me deu muita opção. quando eu tentei debater sobre minha opção de vida, ele me mostrou que o cinto dele pode ser algo bem dolorido.
mas de qualquer forma, nesse dia eu estava a caminho da aula de histologia 1 quando um dos meninos mais veteranos me abordou. era um cara alto, devia chegar a uns 1,90m. forte como um touro, tinha daqueles cabelinhos toscos, curtos, mas com tanto gel que já se tornara uma coisa unica. ele estava escoltado por outros dois. eles não eram tão grandes, ou talvez fossem. qualquer coisa perto daquele brutamontes parece pequena.
o brutamontes então começou a me encher o saco. 'cabelo longo é coisa de menininha' ele disse. eu resolvi ignorar, honestamente, pessoas assim eu quero mais é que se fodam. tentei sair pelo lado quando ele entrou no meu caminho. 'aonde voce pensa que vai?' ele perguntou, 'para aula' eu respondi, tentando parecer o mais cordial possível. quando tentei dar mais um passo, ele me empurrou. fui jogado para mais longe do que eu esperava, na queda meus livros sairam voando, e meu notebook, que eu havia comprado com o dinheiro da carteira, quebrou-se. naquele momento eu senti um turbilhão de emoções. raiva. tristeza. angustia. olhei para cima, apenas para ver o brutamontes e seus amigos rindo da minha queda. olhei para os lado e percebi que isso havia chamado a atenção dos transeuntes, que agora paravam para presenciar a movimentação. 'o que foi vovózinha?' me tentou o brutamontes 'quebrou o quadril?' e seguiu a dar mais risadas. as emoções então voltaram. todas juntas agora, mais fortes. a tristeza. a angustia... a raiva.... foi quando me veio a paz. todas aquelas emoções sumiram. me senti leve. a voz estava de volta. ela, com toda sua perfeição, me acalmou, me fez organizar os pensamentos. a voz me fazia me sentir bem. não queria que ela fosse embora de jeito nenhum, faria o que fosse necessário para que ela continuasse por mais tempo. foi então que a voz começou a conversar comigo. ela me mostrou que eu não deveria aguentar esse tipo de coisa, não alguem como eu. 'você é melhor do que isso' me disse a voz, com toda sua beleza, enquanto me indicava, com desgosto, o brutamontes. a voz estava certa, não tinha que aguentar isso. esse imbecil tinha que ir embora. de qualquer jeito.
do próximo momento eu não me recordo muito bem. apenas me recordo de uma sequencia de imagens desconexas e da paz interior que eu sentia com a voz na minha cabeça. mas minha felicidade sumiu subitamente quando fui segurado por dois homens bem fortes. embaixo de mim jazia o brutamontes. estava completamente coberto de sangue. varios dentes dele haviam caido no chão e ele parecia estar inconsciente. olhei para os meus punhos. ambos cortados e cobertos de sangue. 'pelo menos agora ele vai ficar calado' me disse a voz. comecei a rir do comentario. enquanto os dois homens fortes me puxavam para fora da faculdade para dentro de um carro, eu não resisti. eu apenas gargalhava do ótimo comentário da voz. haha.

a prisão não foi muito um problema para mim. com todo o dinheiro da carteira eu consegui pagar minha fiança facilmente. os próximos dias foram de puro êxtase. a presença da voz ainda deixara resquícios na minha mente, me fazendo me sentir mais leve. fui para a faculdade no dia seguinte. foi provavelmente um dos melhores dias da minha vda. as pessoas não mais ignoravam minha presença, ela agora reparavam em mim, tinham medo de mim. a sensação, devo dizer, era otima.
quase entrando dentro da sala para minha primeira aula, um dos seguranças da faculdade me abordou e me conduziu até uma sala da diretoria. o reitor em pessoa me atendeu, era uma honra. ele com toda sua elegância e pomposidade, com seu terno provavelmente comprado com dinheiro desviado das verbas, se aproximou de mim com cautela. ele começou a falar alguma coisa sobre honra, dignidade do homem e todo aquele bla bla bla. eu até tentei prestar atenção, mas a tentativa de combover no cabelo branco oleoso dele me distraia. só consegui voltar a me concentrar no final, que era a unica parte importante, em que ele finalmente me disse que eu teria que sair da faculdade.
acho que a minha resposta com um 'sem problemas' imediato o pegou de surpresa. acho que ele esperava algo como uma grande discussão, com presença de pais, encontros com o juiz, mas não. eu simplesmente disse que não havia problemas e fui embora. e realmente não havia. não me importava mais com aquela faculdade e nem nada mais. minha unica paixão agora era a voz.

voltei para casa naquele dia mais tarde. havia passado a tarde andando pela cidade, indo a lugares onde eu nunca antes havia tido coragem de ir. quando cheguei em casa meu padrasto estava ja desmaiado no sofá com a tv ligada no mudo e uma garrafa vazia de cachaça na mão. fui então na cozinha e coloquei em cima da mesa as compras que havia feito no supermercado no caminho de casa. a compra era basicamente um estoque de comida e agua para durar alguns dias. peguei tudo e levei para o meu quarto, fechei a porta e tranquei-a.
não tenho muita noção de quanto tempo eu fiquei naquele quarto. não fiz muita coisa nele também na verdade. me limitei a escrever sobre a voz e a dormir sonhando com ela. ela era basicamente a unica coisa que se passava na minha mente. era bom ter um lugar só meu para passar o tempo. não precisava sair do quarto, ja que o meu era o único com uma suite, e a minha comida não envelhecia rápido, então não estava com muita pressa de sair.
acho que em alguns momentos ouvi o meu padrasto bater na porta, mas eu honestamente o ignorei. tudo estava bem até um dia em que ele não estava batendo de leve na porta, ele estava realmente batendo com tudo, a socos e chutes, consegui ignorar até o momento que a porta desabou. ele entrou gritando, não entendia uma unica palavra que ele dizia, mas a carta da faculdade dizendo que eu havia sido expulso dela, e o porque, me deu uma boa dica. chegou um momento que eu cansei e simplesmente me voltei a meus manuscritos. nesse momento meu padrasto se irritou, tirou o cinto e deu a dica de que iria começar a rotineira sessão de pancadaria. nesse momento o tempo parou, e eu tive mais uma das minhas conversas com a voz, ela me disse que se eu quisesse realmente ser alguem livre e aproveitar o meu verdadeiro potencial eu teria que me livrar do meu padrasto primeiro. nesse momento eu entrei novamente no estado de transe que havia passada na faculdade. voltei a mim mesmo com um barulho alto. era o som da bala que havia acabado de atirar no meu padrasto.
olhei a arma, era o revolver que ele mantinha não tão bem guardado em uma gaveta do quarto. depois de ver o que eu havia feito eu me senti realmente feliz. a voz me recompensara com uma dose extra de felicidade. não aguentei. aquele apartamento era pequeno demais para tudo isso. sai então as ruas. cantava e dançava com a voz em minha cabeça quando comecei a ouvir um barulho de sirene. a voz, então, me mandou correr. em meio a minha corrida desordenada esbarrei com um pobre transeunte e cai no chão. ele se desculpou, mas quando viu a arma saiu correndo. 'haha, engraçado esse cara não?' comentei com a voz. mas não houve resposta. a felicidade havia sumido, a voz, que antes me agraciava com a sua perfeição não estava mais la. desesperado com a minha perda, olhei para os lado e me vi cercado por varios carros policiais. todos apontando suas armas pra mim. nesse momento me vieram varios pensamentos ao mesmo tempo. percebi então que agora não havia saida. a voz não voltaria. nada seria mais o mesmo. não aguentaria mais viver sem a voz. não dava. só havia então uma opção.

em meio aos gritos dos policiais, lentamente, coloquei a arma na minha boca e puxei o gatilho.



Iago Schütte - wtf?

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Casaco preto

em um raro dia de sol em uma cidade qualquer, numa rua de classe media, em uma casa normal, tocou um alarme. tocava sempre, todo dia, incluindo fins de semana, as 7am. o alarme, desnecessariamente alto, parou subitamente quando uma mão o atingiu. e assim começava o dia do jovem empresário. devagar, se espreguiçou, levantou da cama e andou em direção ao banheiro. seu andar não tinha nada de diferente, não andava rapido demais nem devagar demais, andava, simplesmente, normal. na verdade, tudo que ele fazia era normal. tinha um carro normal, sua empresa vendia um produto comum, tinha uma casa normal, fora criado numa familia normal. basicamente, nada de interessante e diferente tinha esse jovem empresário. era o tipo de pessoa que poderia dançar na sua frente que voce não perceberia. ele era só mais um na multidão. obvio que ele sentia isso. sua primeira namorada foi apenas na faculdade, uma simples menina, aluna mediana de um curso de disputa media. suas medias eram sempre medianas, seus amigos nunca foram grandes amigos, eram simples amigos que iam e viam. simples assim. provavelmente a maior decisão de sua vida fora criar aquela empresa. pode não ter sido uma decisão super elaborada, mas, pela primeira vez em sua simples e homogenea vida, fizera algo diferente. mas, o que poderia muito bem ter sido um ponto de mudança em sua vida, não passou de um evento isolado. contratou uns funcionários de capacitação media, investiu em areas de pouco risco. não buscava novos caminhos, novas maneiras de expandir seu negocio, continuava com a sua pequena sede em uma rua de classe media em uma cidade de tamanho medio.
vivendo sua normal vida, o empresario não encontrava muitos problemas, na verdade ele nunca chegou a realmente ter de enfrentar um problema cara a cara. vivendo como só mais um na multidão, o jovem empresário nunca criou inimigos ou grandes amigos. nunca fez algo arriscado. nunca se deu ao menos ao trabalho de pensar no 'e se?' das coisas. garanto que, se ele realmente tivesse a força de vontade ele teria mudado. teria parado de ser sempre aquele cara que não tem muita importância. teria seguido mais pra frente. arriscado mais com a empresa. ela teria crescido e ele teria se tornado um grande empresário. lembrado por muitos. teria conhecido a mulher de sua vida, teria se casado e tido filhos. teria realmente feito a diferença. não morreria sozinho em uma cama isolada do hospital, teria tido alguém que estivesse do lado dele, que seguraria a sua mão nos últimos momentos.
mas como dizia. após o seu banho matinal, o jovem empresário foi até a cozinha e arrumou sua mesa enquanto o café ficava pronto. não estava com muita pressa de ir para o trabalho, nada de muito emocionante acontecia em sua pequena empresa. raras vezes apareciam clientes, e os poucos que apareciam eram o suficiente para manter a empresa funcionando. após demoradamente tomar seu café, o jovem empresário foi para o quarto, enquanto vestia seu terno, o jovem empresário se olho no espelho. o terno estava apenas um pouco amassado, os sapatos levemente sujos, mas nada que não pudesse ser resolvido. depois viu seu rosto. não era um rosto alegre. muito pelo contrario, era um rosto triste, vazio. mas o jovem empresário nem reparava, já havia tempo que ele havia se acostumado com o que ele era.
arrumado, o jovem empresário pegou suas chaves e saiu do apartamento. pegou o metro em direção à empresa. por um problema em parte da linha pela neve da noite anterior. o jovem empresário teve de andar o resto do caminho. saindo da estação, o jovem empresário começou sua longa caminhada até a empresa. depois de algo como 10 minutos caminhando, o homem de casaco preto o chamou. o jovem empresário resolveu simplesmente ignora-lo. o homem de casaco preto então chegou do lado do jovem empresário. gritando coisas sem sentido e agarrando seu braço. o jovem empresário tentou se soltar. coisa essa que o homem de casaco preto não gostou. não precisou se muito. foram apenas dois tiros pro jovem empresário cair no chão. ninguém estava por perto para o socorrer. ali ele caiu. e ali ele ficou.
sua empresa empresa foi então passada para um de seus funcionários. com a empresa sobre novo comando, ela começou a investir em novos e mais arriscados negócios, e, devagar e sempre, ela foi crescendo. chegando a se tornar uma das maiores empresas do pais.
a policia nunca chegou a realmente descobrir quem era o homem de casaco preto e, honestamente, não se deu muito ao trabalho. mas para que?

ele era apenas mais um na multidão.


Iago Schütte - Fitter. Happier.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A Lanchonete

um dia, um homem, que por enquanto vamos chamar de homem 1, entrou numa lanchonete e se sentou à mesa. pediu um café e esperou. a lanchonete, castigada pelo tempo, ja mostrava sinais de desgaste e esquecimento.
a historia desse lugar em si é interessante. um dia, um cozinheiro pobre, de uma familia humilde, nascido e criado em condições precárias, descobriu que tinha um ótimo dom para comidas. mas ele não via a comida como simplesmente algo de se comer. ele via-a como algo mais, via-a como uma grande beleza, e por traz de seu saborear há uma maravilhosa filosofia. em sua pequena cidade ele começou a contar sua historia ao povo. de uma a um, ele foi conseguindo pessoas que realmente seguiam sua filosofia. um dia, um de seus seguidores, diremos que é o seguidor 1, o aconselhou ir à cidade grande. disse que nessa pobre e pequena cidade, nada iria crescer, e que lá, a filosofia poderia se tornar algo grande. o cozinheiro negou, disse que seu objetivo era simplesmente passar a mensagem ao povo, e que ela criasse sua propria vida e importancia. o seguidor 1 não gostou dessa ideia. nascido na familia mais rica da cidade, ele sabia muito bem perceber quando uma oportunidade de ganhar muito dinheiro estava a frente. essa com certeza era uma delas. logo, o seguidor 1 se reuniu com os outros seguidores em um debate do futuro da filosofia das comidas.
o seguidor 2 rapidamente argumentou o que o cozinheiro havia dito "não devemos deixar que algo como dinheiro nos tire do caminho. estamos aqui para trazer ao povo um novo tipo de pensamento, e não ganhar dinheiro". em seguida o seguidor 3 entrou a favor do seguidor 1 "mas, desta pequena cidade nada sairá. temos que ir à cidade grande, criarmos lá um centro de nossa filosofia, e de lá espalhar-la". já o seguidor 4 argumentou a favor do seguidor 2. o seguidor 5 a favor do 1 e o seguidor 6 a favor do 2. empatados, sobrou ao seguidor 7 fazer a decisão. então o mesmo disse "deveremos ir à cidade. mas irmos apenas para melhor difundirmos nossos ideais, e não aproveitarmos deles para outros fins" todos de acordo, foram falar ao cozinheiro. o mesmo, mais por pressão do que qualquer coisa, foi convencido e assim todos foram a cidade.
Com um dinheiro que haviam conseguido de alguns fiéis a filosofia, inauguraram um restaurante. de inicio não deu muito certo. não porque não haviam clientes, mas o cozinheiro não havia nascido para cozinhar em massa. ele havia nascido para cozinhar para apenas quem apreciava a comida. com isso o restaurante, que suportava no máximo 4 pessoas por vez, começou a criar filas gigantescas. tempos de reserva chegando a meses. tudo para experimentar a maravilhosa comida do cozinheiro.
cada pessoa que entrava era recebida pessoalmente pelo cozinheiro. nunca era o mesmo tipo de pessoa. o restaurante, que não se preocupava em ser caro, servia quem surgisse. de mendigos a grandes donos de empresa. não importando quem fosse, ao abrir a porta, daria de cara com o tão comentado cozinheiro. este se apresentaria à pessoa e explicaria para a mesma suas ideias. o porque de seu amor a comida e o porque ela deveria ser apreciada da forma que ele dizia. muitos não se importavam. o que queriam mesmo era comer. quanto mais rapido melhor.
um dia o cozinheiro percebeu isso e chamou seus seguidores para um debate. o seguidor 2 começou respondendo ao cozinheiro que o problema na verdade não existia, ja que, por mais que muitos não dessem importância às sabias palavras do cozinheiro, alguns ouviam, e por mais que não fossem muitos, estes ja continuariam suas vidas de maneira diferente. o seguidor 1 atacou na hora "o senhor, seguidor 2, está completamente enganado. o problema é que vem pessoas de todo tipo aqui, isso esta errado, voce realmente espera que um mendigo entenda essa maravilhosa filosofia?" e assim, novamente, deu-se inicio a mais um debate. no final. por influencia do seguidor 1, a maioria decidiu que o restaurante deveria se tornar um restaurante mais exclusivo, para as classes mais elevadas apenas. foram, então, falar com o cozinheiro sobre os novos planos. o cozinheiro negou avidamente. dizia que isso era errado, que a mensagem deveria chegar a qualquer um, seja la quem ele fosse, rico ou pobre, a filosofia excedia essas barreiras mundanas. o seguidor 1, habilidosamente começo a convencer o cozinheiro, dizendo que por mais que os ricos não sejam muitos, eles que controlam os pobres, e logo, se a mensagem realmente os atingir, eles passarão ela a frente. o cozinheiro, ingênuo, cedeu à idéia do seguidor 1, e na noite seguinte, os preços do restaurante dispararam, fazendo com que não mais os mendigos, e apenas os grandes donos de empresas conseguissem pagar a estrondosa conta.
isso apenas aumentou a fama do restaurante. agora empresarios e celebridades do mundo inteiram vinham até a cidade apenas para conhecer o tão famoso restaurante. esse modelo de mercado durou algo como 4 meses, até o momento que o seguidor 1, que basicamente gerenciava tudo do restaurante, percebeu que a quantidade de dinheiro que ele ja ganhava poderia aumentar muito mais. reuniu então, os seguidores e o cozinheiro para um debate para apresentar suas ideias.
"caros irmãos" disse "nosso restaurante está melhor do que nunca, nosso ideal já atinge muitas partes do mundo, mas, infelizmente, não está indo tão longe quanto eu esperava que fosse. o certo agora é expandirmos ainda mais nosso restaurante!". "e como voce pensa em fazer isso?" perguntou o seguidor 2. "mas é muito simples, meu caro irmão, devemos expandir nosso restaurante para servir mais de simplesmente 4 pessoas. imagine o quão mais nossa filosofia se difundiria se nos servissemos 8 pessoas! ou 10! ou 20!". "voce está louco" disse o seguidor 2 "o cozinheiro nunca seria capaz de sozinho, da maravilhosa maneira que ele cozinha servir tanta gente junta. é impossivel". "é muito simples, meu caro, o cozinheiro pode ensinar a alguem a sua incrivel arte de cozinhar, dessa formas, atenderemos mais pessoas, e expandiremos mais nossa filosofia!". dito e feito, depois de uma longa conversa com cozinheiro, convencendo-o de que isso era o certo a se fazer, o seguidor 1 chamou vários famosos chefs e fez o cozinheiro ensina-los a fundo a sua filosofia e sua maneira de cozinhar. e assim, pouco tempo depois, estava o restaurante, reformado, atendendo até 20 pessoas de uma só vez.
com o tempo, o seguidor 1 percebeu que com a perda da exclusividade a quatro pessoas, o restaurante nao era mais tão exclusivo, e , lentamente, a frequencia do restaurante diminuia. vendo isso, o seguidor 1 veio falar com o cozinheiro "senhor, acho que nós deveriamos voltar a servir a todos.". "mas voce não havia dito que isso era um pessima ideia?" indagou o cozinheiro. "Sim, senhor" respondeu o seguidor 1 "mas, agora que nós ja conseguimos atingir as classes altas, apenas falta atingirmos as baixas.". o cozinheiro então perguntou "mas como conseguiremos atender tanta gente?". "não se preocupe, é só fazermos com que os chef consigam produzir mais, para atender a todos" respondeu o seguidor 1. "mas, como eles conseguiram produzir a comida em toda a sua perfeição se forem faze-la apenas por fazer?" argumentou o cozinheiro. "acalme-se, tudo dará certo" disse o seguidor 1. então o cozinheiro, facilmente manipulável, concordou.
e assim foi, de pouco em pouco, o restaurante que antes servia apenas 20 pessoas agora servia 70. mas isso ainda era pouco para o seguidor 1, que tentou convencer o cozinheiro a expandir ainda mais o restaurante. mas o cozinheiro negou, dizendo que esse era o seu restaurante, e se o seguidor 1 quisesse se expandir tanto, que ele criasse outro restaurante. e foi o que fez. um mês depois surgia um novo restaurante, ainda ligado ao outro, mas com uma forma de funcionar diferente. depois desse surgiu outro restaurante. e logo outro, e outro, e outro. até que em belo momento, todas as grandes cidades do mundo tinha uma filial do restaurante. famoso por sua boa comida. as pessoas do mundo inteiro queriam conhecer o que havia de tão bom. agora, como era impossivel o cozinheiro atender a todos, ele gravou um vídeo de seu discurso de introdução em que explicava toda sua filosofia. esse discurso era agora exibido repetidamente em uma pequena tv, meio escondida perto da entrada de cada restaurante, facilmente ignorada por todos.
um certo dia o seguidor 1, agora morando numa bela cobertura, de um explendoso predio, chamou o cozinheiro em seu escritório e sem tempo, deu o seguinte discurso:
"cozinheiro, voce foi sempre muito bom para nós, nos ajudou a criar algo antes inimaginavel, por isso todos nós seremos eternamente gratos. sua comida é muito boa, e seus ideais tambem. mas, infelizmente, devo lhe informar que seus seviços não serão mais necessarios, ja temos agora outros cozinheiros que podem continuar a difundir suas ideias. não podemos mais arcar com os custos de manter voce e seu restaurante que não segue o modo de funcionamento dos outros restaurantes. por favor, tranque o seu restaurante e deixe a chave com a recepcionista depois de sair"
O tempo então foi passando. algumas semanas depois do cozinheiro (que agora vamos chamar de cozinheiro 1) ser demitido, o seguidor 2 foi demitido. a rede de restaurante (agora uma empresa) apenas continuou crescendo, e continuou assim pelos anos seguintes.
com o tempo, apos varios anos, a qualidade da comida foi decaindo. os cozinheiros novos não conseguiam mais passar os ensinamentos de como fazer a comida perfeitamente para o próximo até que um restaurante fechou. depois outro, e outro, e outro. depois de alguns meses de serviço decadente e restaurantes fechando, sobrou apenas um restaurante. um unico, o original. que agora nem agia mais como um restaurande, era apenas mais uma lanchonete. esta lanchonete tambem estava prestes a fechar.
nesse ponto voltamos ao inicio da historia.
o homem 1, ou como agora podemos chamá-lo, seguidor 2, sentado em sua mesa, saboreando (ou talvez melhor, tolerando) o café. então comentou com o cozinheiro "esse lugar já foi grande, sabia? fiz parte dele e de todas suas idéias. aqui ja trabalhou um grande cozinheiro, o melhor que já houve, não só sua comida, mas suas idéias eram maravilhosas também." o cozinheiro de numero qualquer, achando que esse era apenas mais um louco, simplesmente concordou com um leve balanço da cabeça. o seguidor 2, depois de terminar seu café, levantou, deixando o dinheiro na mesa. se despediu do cozinheiro de numero qualquer, saiu da lanchonete e foi embora.

Iago Schütte - 30ºC